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17/SAMIR
Eu já gostava de mel antes, mas depois do Samir eu passei a gostar mais: no futuro e no passado. Passei a gostar de mel desde menino e também a ansiar por sentir aquele cheiro, o do Samir, de mel.
O Samir colocava mel em tudo. Pão com mel, abacaxi com mel, biscoito com mel, sorvete com mel, mel sozinho, até eu com mel ele comia. Uma vez, ele pingou mel no meu peito, só um pouquinho, pra me lamber. Outra vez, passou mel na minha boca, com os dedos, e me beijou. Será que o Samir gostava mais de mel do que de mim? Difícil, porque ele gostava muito de mim.
E eu gostava dele, que – além de cheiro de mel e cheiro de tesão – era também quentinho. O Samir estava sempre mais quente do que eu, eu não sei bem como funciona essa coisa de temperatura corporal, achei que todos tivéssemos os mesmos graus, mas não. E ele estava sempre com calor, então tirava a camisa, e eu amava esse gesto desde o princípio: primeiro, ele reclamava de estar encamisado, e então cruzava os braços para segurar a barra da camisa, e a puxava de uma só vez, arrancando-a pela cabeça. Os olhos, fechados por um momento, abriam-se aliviados, e ele logo olhava para o peito e se alisava, num óbvio gesto de colocar todos os pelos na mesma direção, ou na direção certa. O Samir tinha um pelo tão bonito no peito, era uma coisa rara. Era um pelo liso e macio, e adorado, por mim e por ele. Na idade em que tínhamos, era raro um rapaz com um peito tão terno e masculino como aquele. Ele já parecia um homem.
Ele tinha dezessete; eu, dezesseis, mas nossa diferença era menor que um ano. Logo eu o alcançaria. O Samir veio do sul de Minas (o pai fora transferido no trabalho) e, quando o vimos, todos nós, que estávamos sentados em nossas carteiras e desejávamos homens (com ou sem camisa, com ou sem cheiro de mel), nos apaixonamos por ele. Porque ele era lindo, forte e disse: “Bom dia!”. O que mais podem adolescentes de dezesseis anos desejar?
O danado logo fez amizade com todo mundo. Os tímidos, quando são desejáveis, não têm dificuldade de se enturmar. E o Samir era gentil como se fosse um homem mais velho – era a associação que eu fazia – apesar de ele aparentar ter a idade perfeita, a idade dos deuses: era um adulto jovial. De novato a prêmio, o caminho foi curto. Quem o teria? Houve brigas e amizades por conta de sua inclusão nos dramas da escola.
Mas o Samir me quis, a mim, eu, que também não era qualquer um. Eu também era doce. A estratégia dele foi óbvia, mas sagaz. Logo percebeu que torcíamos para o mesmo time, o Soberano, e me chamou para assistir a um jogo em sua casa. Morava com os pais e duas irmãs mais novas, bem mais novas. A primeira vez que entrei no apartamento, lembro-me de ter pensado: “ele é rico!”. Não era verdade. Era apenas uma classe média menos média que a minha. O apartamento era um duplex, e o quarto do Samir ficava isolado, no andar de cima. Seu pequeno paraíso tinha uma sala, um quarto, um banheiro e um terraço imenso, com móveis de jardim e muitos vasos com plantas.
Assistimos três jogos do São Paulo em menos de duas semanas. E naqueles três jogos, nada aconteceu. Bem, aconteceu coisa pra caralho, mas só na minha cabeça. Na verdade, aconteceu sim. Nas cabeças – nossas – e entre elas. O Samir era safo e já sabia muito bem para onde estava me levando. No primeiro jogo (São Paulo 3 x 0 Atlético-MG), nós chegamos, ele buscou amendoins e guaraná, e tirou a camisa e o tênis ainda no primeiro tempo. Falou pra eu ficar à vontade também, mas era a última coisa que me passava pela cabeça, ficar à vontade. No segundo jogo (São Paulo 1 x 0 Guarani), ele ficou o tempo todo vestido, a chuva esfriou a noite, mas ele se aproximou com as palavras. Disse que estava há três dias sem andar de bicicleta, e que isso o deixava agitado, e que quando ficava assim só uma punheta era capaz de aplacar sua agitação. No terceiro jogo (São Paulo 4 x 2 Botafogo), era um domingo, estávamos sozinhos no apartamento, e ele já me atendeu só de cuecas, dessas que parecem uma sunga, só que folgadas, deixando visíveis e irresistíveis todos os movimentos. Ele foi me buscar na porta do andar de baixo e ficou apenas alguns segundos de frente para mim, mas eu pude, em um relance, ver o desenho da cabeça de seu pau através do pano. Fiquei duro imediatamente. Subi a escada com os olhos pregados em suas coxas, de ciclista, bem naquele lugar onde a coxa começa a virar bunda. (Meu Deus, eu me lembro exatamente das formas do Samir, mesmo depois de tanto tempo!) Ele passou o jogo todo de cuecas; de vez em quando, enfiava a mão lá dentro, mexia no saco, no pau. Na hora do intervalo, fomos para o terraço e eu notei que ele estava excitado. Ou melhor: notei que ele se exibia, fingido alguma displicência.
Nessas duas semanas, foi isso o que rolou (ou que não rolou). O Samir desfilando sua delícia e eu batendo punheta em casa, lembrando cada detalhe do seu corpo. Então, na segunda-feira de noite, eu cheguei em casa e minha mãe me deu um recado.
– Um amigo seu da escola ligou, Samir, é pra você ligar pra ele.
Senti um calafrio. Era só um recado, mas me vi devassado, como se fosse possível para qualquer um fazer o mesmo que eu: associar aquele nome a fodas imaginárias.
– Educado, esse seu amigo! Conversou comigo. Falou que é novato, que é de Pouso Alegre. Ele ligou pra você ir lá na casa dele amanhã, depois da aula. Que é pra vocês estudarem. Pra você dormir por lá também. E que, na quarta, depois do jogo, o pai dele te traz em casa. Me chamou de senhora.
Fiquei num misto de euforia e medo, pois intuía os próximos movimentos do Samir e, ao mesmo tempo, me perguntava: por que agora? Por que tanta informação? Pra que tanta conversa com a minha mãe? Eu tinha medo que alguém desconfiasse que eu morria de tesão por um amigo (ou por qualquer homem)... naquela época as coisas eram diferentes. Fingi que era tudo cotidiano.
– Beleza... – respondi.
Liguei pro Samir, combinamos, e, antes de ir dormir, arrumei uma mochila com roupas para terça e quarta. Escolhi minhas melhores cuecas, no caso de eu querer ficar mais à vontade. Depois da aula, no final da tarde, fomos pra casa dele, e a mãe dele preparou lanche pra gente. Disse que tinha lençol e travesseiro pra mim lá em cima, que era só puxar a bicama debaixo da cama do Samir.
Estudamos quase nada, jogamos FIFA Soccer, vimos vários pedaços de filme na TV. Samir mencionou que não havia andado de bicicleta. Na hora de dormir, ele fez questão de arrumar minha cama. Uma gentileza. E no meio das conversas, enquanto arrumávamos as camas e mochilas para o dia seguinte, ele foi tirando a roupa. Só de cuecas, entrou para o banheiro. O chuveiro foi ligado. E o Samir continuava falando comigo. Pode parecer besteira, mas saber que ele estava pelado, no banho, e conversava comigo, me deu um tesão da porra. Mais tesão ainda que o tesão da porra, na escala subjetivíssima do tesão. Ele me chamou. Pelo nome. Entendi que era pra eu ir lá dentro, mas respondi do quarto mesmo. Ele queria que eu lhe levasse a toalha; malandro! Eu fui com a toalha, ele ainda estava com o chuveiro ligado. Eu pude vê-lo através do vidro canelado do box, “puta que pariu, eu vou morrer pelo pau”, eu pensava. Pendurei a toalha no banheiro e saí. Obviamente, ele não se contentou em se enxugar no banheiro. Eu já tinha memorizado aquele corpo. Mas, assim, sem cuecas, molhado, era outra coisa. Finalmente, vi seu pau, seu saco, eu sempre gostei de ver o pau de outros caras, em qualquer circunstância. Ele se enxugou mais do que deveria. Vestiu uma cueca azul clara, apertada e larga ao mesmo tempo (não me pergunte como isso é possível), que nunca vai sair da minha memória. Me entregou uma toalha, mesmo que eu não tivesse manifestado nenhuma intenção de tomar banho, eu preferia tomar banho de manhã, antes de sair pra aula. Enfim. Entrei para o banheiro antes de me despir. Sempre tomo banho de porta fechada, mas me senti constrangido de fazê-lo. Aliás, a própria ideia de tomar banho naquele momento me caía um pouco coerciva. Entrei no banho e o Samir continuava a falar comigo. O banheiro tinha o cheiro dele e meu pau estava duro, duraço. O que eu mais queria era bater uma punheta ali, naquela hora, mas, por algum motivo, não o fiz.
O Samir entrou no banheiro, falando, falando, falando. Não justificou sua entrada, apenas ficou por ali. Escovou os dentes, não acabava o assunto. Eu fiquei de costas pra ele, sabia que o vidro canelado dava uma visão fragmentada mas suficiente a quem estava do outro lado, e não queria que ele me visse de pau duro. Não queria entregar meu tesão. Eu ainda tinha vergonha de mostrar-me no que eu mais queria. Senti que teria que ficar no banho até o final da eternidade se fosse esperar que o Samir saísse do banheiro. Então desliguei o chuveiro, puxei minha toalha pra dentro, me enxuguei ali mesmo e saí enrolado nela. O Samir veio atrás. Já não tinha mais o que falar, mas não parava de me seguir com conversa. Então vesti minha cueca, de costas pra ele, como um menino tímido. Quando fui colocar a bermuda, ele me disse:
“Pode dormir só de cueca, cara. Fica à vontade, de verdade...”
Então eu entrei só de cuecas debaixo do meu lençol. Era tanta vergonha daquela situação que até hoje eu não entendo. Não era uma vergonha moral, era uma timidez expectativa. Eu queria retardar o que não entendia, e a cada segundo de ignorância me sentia exposto diante do Samir, que parecia saber desde antes de nascer o que iria acontecer a seguir.
O Samir também se deitou, ficamos falando de frivolidades (mais ele do que eu) por mais de meia hora. Quando o assunto cessou, cada um ficou com seu silêncio. Eu, de olhos fechados, só conseguia visualizar o Samir a menos de um metro de mim, deitado, cheiroso, de cuecas. Tinha medo que minha mão criasse vida própria e escalasse para cama de cima, caçando-o, ou que minha boca, num susto, mordesse as carnes da sua bunda.
Eu já estava lá, no meu pensamento, coladinho no Samir, quando ele disse:
– Você é tão branquinho, né?
– Sou, ué! – foi o que eu respondi. O que eu pensei: meu corpo está nele.
– E não tem pelo nenhum, também, né?
– Uhum – eu concordei. Achei que deveria falar alguma coisa, então falei. – Você é o contrário: moreno e peludo!
– Você me acha peludo?
Ele se assentou na cama e acendeu a luz do abajur. Olhei pra ele e ele fingia uma cara de quem estava surpreso e nada satisfeito com a minha colocação. E esperava uma reposta.
– Bem, você não é peludo, “peludo”... mas você tem pelo... no corpo todo...
–Você acha feio?
O filho da puta era muito esperto. E eu era um patinho.
– Não, não acho feio. Eu só fiz uma observação.
– Eu gosto dos meus pelos! – ele falou em tom de brincadeira e riu.
– Bom pra você!
– Sabe do que eu gosto? – e ele mesmo respondeu – De ficar passando a mão.
– Eu já notei. Meio patético, alisando os pelos do peito, da barriga, das coxas.
Pronto, eu estava indiretamente mas declaradamente me rendendo. Era muita ingenuidade. Daí pra frente – ele mesmo me falou isso depois – o Samir sentiu que dava pra arriscar uma aceleração.
– Deixa eu passar a mão no seu peito? – ele me propôs.
– Vai à merda! – eu respondi, meio machão, e isso é totalmente absurdo, mas foi o que eu fiz.
Ele não disse nada. Ficou me olhando como se o pedido ainda estivesse de pé, como se minha resposta tosca não o tivesse cancelado. Ficou sério, mesmo. Já estava dito, para ele, o que deveria ser dito. Ele queria colocar a mão em mim, pediu educadamente e estava esperando o meu consentimento. O meu silêncio depois do “vai à merda” se esticou mais do que deveria. Então o Samir deitou-se de bruços, no canto da sua cama, e esticou a mão até o meu peito. Mão boa. Foi me alisando o peito e os ombros. Com o polegar, mexeu nos meus mamilos. Status do meu pau: rasgando o universo e criando um buraco negro no cosmos, o que logo atraiu a mão do Samir, que foi dedilhando minha barriga e entrou, marotamente, dentro da minha cueca. Era isso mesmo. Tinha um outro cara, que não era um qualquer, era o que eu queria, com a mão no meu pau, e ele pegava de um jeito tão gostoso, com uma mão tão quentinha, que eu me assustei, recuando um pouco.
Ele parou, me olhou fixo; um olhar “está tudo bem, nós dois queremos”, e pronto; eu já queria a mão dele de novo. Ele todo, eu queria.
– Chega pra lá – e ele já veio se acomodando do meu lado. E me puxou pra ele, pau com pau, e sua mão me fez um carinho na orelha, e ele me beijou. Beijou pra valer, bem suave, mas com força. Era coisa de quem tinha a experiência, mas – saibam – era a primeira vez que o Samir ficava com outro homem. A experiência dele era daquele outro tipo, a do desejo.
“Beijo de menino é que é beijo bom”, essa sabedoria me cruzou a mente. O Samir era muito gostoso. Ele se enroscou e mim, e seus pelos – do peito, das pernas – me acariciavam o corpo inteiro. Ele pegou no meu pau, eu pequei no dele, mas não éramos muito bons em punhetar o outro. Acho que foi a única coisa meio estranha daquela transa. Aí o Samir resolveu me chupar. Eu nunca tinha transado com ninguém e o primeiro ser humano que meu pau visitou foi o Samir: entrou pela boca quente dele, uma loucura! Ele tinha lábios grossos e muito macios, e deslizou sobre mim. Reparei que tinha uma língua larga (juro que reparei isso!). E entre ser abocanhado e sentir que iria gozar não durou muito. Não pude controlar e jorrei-me pra dentro dele. Ele não parou, me sugou, de chupar forte mesmo, e eu achei que pudesse ter um troço, porque nenhum gozo de punheta era igual àquilo. Ele me chupou, eu e minha porra, até meu pau ficar mole. E então começou a rir, e deitou a cabeça na minha barriga.
Eu e o Samir transamos centenas de vezes e eu não me lembro de uma vez sequer que ele tenha me chupado e deixado de engolir minha porra. Talvez ele gostasse mesmo mais de mim do que de mel. Eu adorava isso, adorava que ele se deleitasse com meu leite, com meu vale.
Eu amei o Samir, naturalmente, porque ele não correspondia a nenhuma fantasia. Ele fundava possibilidades tão novas, que era como se ele fosse o meu deus particular, inventando minha vida, tendo-me. Eu o adorava. Adorava seus beijos longos, longuíssimos, com gosto de mel. Gostava do seu cu apertando meu pau. Era raro eu comer o Samir na mesma posição do início ao fim de uma transa. Ele falava “péra”, e trocava de posição. Tinha essa tara, de ser comido em vários ângulos. Dizia “me fode”, e isso soava carinhoso; coisas do Samir. Quando me comia, mesmo tendo um pau muito largo, conseguia fazer isso de um jeito delicado e atento. Não é pouca coisa. Samir era, quase sempre, o passivo, mesmo com seu pau dentro de mim. Não sei explicar isso muito bem. Não se cansava. Lembro-me de uma sexta-feira em que transamos doze vezes. Todas foram boas.
Dá pra ficar uma década rememorando minhas fodas com o Samir. Transamos direto durante uns oito meses, até ele se mudar de volta para Pouso Alegre. Depois disso, transamos apenas mais uma vez, uns três anos depois, quando ele voltou de visita à cidade. Dá pra ficar um século escrevendo esse amor.
Está tudo guardado aqui. Tenho tudo à mão, se precisar. No entanto, guardo aquela primeira semana dos jogos – os do São Paulo e os de sedução – e aquela primeira noite – sua cueca azul clara, apertada e larga, sua mão no meu peito – em um lugar especial. Quando vejo minha vida de uma vez só, como uma grande linha que começa lá no meu nascimento, vejo esse tempo que gozei do Samir como um clarão, iluminando tudo ao redor. Ainda o amo, ainda tenho tesão nele; mesmo após uma vida quase inteira, ainda gosto de seus pelos, dos seus dezessete anos.
No dia em que eu fiz dezessete anos, transamos num motel, ele pagou, fomos com o carro do primo dele. Transamos várias vezes, e eu me lembro vividamente de uma imagem: eu, deitado na cama, e o Samir encaixado no meu pau, fodendo-se-me. Então ele abriu os braços, como um equilibrista, e continuou subindo e descendo, cada vez mais veloz. Eu o via se sacudir sobre mim naqueles espelhos todos – músculos e cabelos – e achei que ele era o melhor homem do mundo, para tudo, porque ele me parecia o mais satisfeito. Ele sabia gozar de um momento (de outro homem) como ninguém. Ele tinha dezessete anos: um prodígio.
Pediu salada de frutas, no final da noite; com mel. O primeiro homem com quem eu transei era foda, e seu cheiro de mel ficou impregnado nas minhas narinas. Depois do Samir, foi difícil para mim, humano, me contentar com fodas mal dadas. Queria comer de tudo, até me fartar, e ser comido com satisfação. Queria alguém que não desperdiçasse minha porra.
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