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My name is Earl era um de meus sitcoms americanos preferidos na juventude. O argumento: o protagonista, Earl, era um sujeito mau caráter; ladrava, enganava, trapaceava. Até o dia em que ganha 100 mil dólares na loteria. Porém, enquanto comemora sua sorte, é atropelado e perde o bilhete premiado. No hospital, assistindo TV, ouve uma breve explicação sobre o Karma. “Se você faz coisa boas, as coisas boas voltam pra você.” Earl decide então fazer uma lista de todas as suas más ações e promete a si mesmo que vai compensar todos aqueles a quem havia prejudicado, em uma tentativa de pagar o seu débito com o Cosmos. Logo em sua primeira boa ação, acha novamente o bilhete da loteria que havia perdido, o que o faz ratificar sua crença na doutrina do Karma. A partir desse mote, cada novo episódio reconta uma das tentativas de Earl de voltar às graças do Universo.
KARMA
“You know the kind of guy who does nothing but bad things, and then wonders why his life sucks? Well... that was me. Every time something good happened to me, something bad was always waiting around the corner. Karma. That's when I realized I had to change. So, I made a list of everything bad I've ever done and, one by one I'm going to make up for all my mistakes. I'm just trying to be a better person. My name is Earl." *
My name is Earl era um de meus sitcoms americanos preferidos na juventude. O argumento: o protagonista, Earl, era um sujeito mau caráter; ladrava, enganava, trapaceava. Até o dia em que ganha 100 mil dólares na loteria. Porém, enquanto comemora sua sorte, é atropelado e perde o bilhete premiado. No hospital, assistindo TV, ouve uma breve explicação sobre o Karma. “Se você faz coisa boas, as coisas boas voltam pra você.” Earl decide então fazer uma lista de todas as suas más ações e promete a si mesmo que vai compensar todos aqueles a quem havia prejudicado, em uma tentativa de pagar o seu débito com o Cosmos. Logo em sua primeira boa ação, acha novamente o bilhete da loteria que havia perdido, o que o faz ratificar sua crença na doutrina do Karma. A partir desse mote, cada novo episódio reconta uma das tentativas de Earl de voltar às graças do Universo.
Eu acredito no Karma.
Diferentemente de Earl, eu sempre fui um bom ser humano. Fui uma criança obediente, ordeira e amorosa. Na escola, ajudava os colegas com as lições de casa e, caso fosse necessário, em conflitos e situações delicadas. Nunca colei, nem nas provas mais difíceis. Não tolerava injustiças, estava sempre pronto a interceder pelos oprimidos e discriminados. Sempre dei conta de preencher todos os pré-requisitos do politicamente correto e, mais além, de fazer até mesmo o politicamente correto parecer limitado, agindo sempre graciosamente para com o próximo e responsavelmente para com a coletividade. Admirado pelos amigos — e por desconhecidos — na faculdade, no emprego, na igreja, na vizinhança, no seio da família. Um homem bom, eu fui.
Eu nunca ouvira falar em Karma.
Quando conheci Dragomir, tive pena dele, mas logo me censurei. Por que deveria sentir compaixão por um gordo? Era eu mais bem aventurado do que ele, apenas por ter um corpo saudável e desejável? Embora cresse nessa minha própria argumentação contra o preconceito que me guiava o sentimento, a convivência com Dragomir revelou-me sua insatisfação com o próprio peso, com seu corpo, consigo mesmo. Dragomir era o homem mais gordo que eu havia conhecido pessoalmente. Lamentava-se por saber que muitos o consideravam asqueroso, e outros, ainda, o julgavam fraco, por não saber se controlar. Temia nunca ser amado, nunca encontrar um homem que o desejasse. Temia morrer sem ter gozado de uma vida sexual satisfatória. Descobri que Dragomir mantinha um blog, com um perfil fake, no qual narrava aventuras sexuais em viagens pela Europa. Todas elas falsas, mas repletas de veracidade, de vivacidade.
Depois disso, eu, bom moço, não pude conviver com a ideia de alguém tão próximo de mim ser privado de prazeres primários, como o de gozar em dupla. Decidi que comeria Dragomir, que amaria Dragomir.
Ele não creu, no princípio. Perguntava-se e perguntava-me por que um dos rapazes mais desejados da Universidade de Sofia queria ficar com ele, o gordo. Eu não sei como ele respondia a si mesmo, mas eu fazia questão de dizer: “Por que eu já amo você.” Com o tempo, ele creu. Apaixonou-se por mim, e isso era fácil. Na primeira vez em que fizemos sexo, ele teve vergonha de se despir; eu pedi: “Tira a roupa. Eu quero ver você. Quero comer você.”
Logo, o campus comentava nossa relação. Dragomir, o gordo, e Lucien, o bom partido. “Como pode?”, reverberavam a primeira questão de Dragomir.
Quando completamos dois anos de namoro, fomos passar uma semana em Turim. Por causa de uma lesão, do frio e de sua diabetes, Dragomir quase teve de amputar a perna direita, complicações de um corpo obeso. Ficamos 10 dias no hospital italiano antes de voltarmos para a Bulgária. Um mês depois, Dragomir se inscreveu em um programa do governo que buscava voluntários para uma cirurgia de redução estomacal, para tratamento de obesidade mórbida.
Após a operação, Dragomir perdeu 110kg. Ainda submeteu-se a três cirurgias plásticas, para extração do excesso de pele que restara após o emagrecimento. Passou a fazer musculação, a alimentar-se de forma regrada e tomava sol, nu. Dois anos após a cirurgia, o meu namorado Dragomir chamava atenção quando adentrava um ambiente. Alto, belo, forte, confiante.
O que é o Karma?
Dragomir brincava comigo: “Eu fui sua aquisição mais lucrativa, Lucien! É só comparar o produto que você pegou na prateleira com o que você tem agora em casa! Eu sei que o investimento foi custoso, mas acho que o retorno foi satisfatório, não foi?”. Eu nunca respondi a essa pergunta. Primeiro, porque tinha medo que de dizer que sim, confirmando a minha óbvia preferência por lindos homens em detrimento dos gordos, dos feios, dos esquisitos; enjeitados, se assim permitirem. Seria a coroação de meu coração preconceituoso. Segundo, porque tinha medo de dizer que sim, por causa do Karma, porque o delicioso Dragomir tomaria o lugar de pagamento do Cosmos por minha vida idônea, caridosa, justa e fraterna.
“Você já ouviu falar em Karma?”, perguntei a Dragomir.
“Vagamente. O que é mesmo?”
“É uma doutrina budista, que diz que somos recompensados pelo Universo, por uma inteligência cósmica superior. Se fazemos o bem, o bem nos virá. Do contrário, é o mal que nos resta.”
“Você acredita nisso?”, Dragomir era cético.
“Você acredita nisso?”, Dragomir era cético.
“Prefiro não acreditar.”, encerrei o assunto.
Recentemente, sou assombrado pela balança do Karma. Tornei-me incapaz de calcular o peso do bem e o peso do mal. Meço tudo, tento medir: palavras, atos, passado; e pensamentos; se assim permitirem. Valorações antigas se rebelam, intimamente, e falho em ter certeza sobre minhas intenções. Sinto que meu saldo negativo cresce, obrigando o Universo a cumprir friamente uma cruel vingança contra mim.
Eu acredito no Karma, que me presenteou com Dragomir.
Estou apenas esperando o próximo movimento.
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* Você sabe aquele tipo de cara que só faz cagada e depois se pergunta porque a vida é uma merda? Bem... esse era eu. Toda vez que alguma coisa boa acontecia comigo, alguma coisa ruim estava me esperando na próxima esquina. Karma. Foi quando eu percebi que eu precisava mudar. Então criei uma lista com todas as coisas ruins que eu já havia feito e agora vou tentar compensar os meus erros, um a um. Estou apenas tentando ser uma pessoa melhor. Meu nome é Earl.
(Texto de Abertura da Série My Name is Earl, NBC, 2005-2009).
Ótimo texto!
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