CARTA AO LIBERTÁRIO

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CARTA AO LIBERTÁRIO


Após 13 anos no poder, o velho general descansava no exílio, acometido de tamanha paz e satisfação que causavam estranheza em seus visitantes, que muitas vezes o davam por louco. Obviamente, aqueles que estabeleciam uma conversa mais profunda com o general logo viam que não era loucura. Era entendimento sendo processado, bem ritmadamente.

O seu governo foi o último antes que o regime ditatorial fosse deposto e, em muitos aspectos, o mais violento e repressivo. Usou a força, os veículos de comunicação, o medo e a economia para açoitar, pesadamente, uma nação de ignorantes. 

Apenas dois meses após seu exílio, seu sucessor, outrora líder da revolução que o depôs, anunciou novas leis, novas regras, democracia e liberdade. Mais ainda: novos projetos. Falou, em rede nacional de televisão, sobre tudo o que a nova liderança do país faria para que fosse reerguida uma nação de cidadãos livres e orgulhosos.

Na manhã seguinte, o velho general escreveu uma pequena carta, quase um bilhete. Pensou em enviá-lo à imprensa nacional, pois ainda tinha contatos — e amigos — que com certeza publicariam suas palavras. Mas achou melhor não. Endereçou-a, por seus próprios meios, àquele que o havia insultado, importunado, amaldiçoado e, com tanta luta, o afastado do poder. 

Dizia o pequeno bilhete: 



Caro Defensor da Liberdade, 

Espero que agora, em situação parecida com a que me encontrei durante tantos anos, tenha pensamentos mais lúcidos e produtivos do que os que me ocuparam a cabeça. Pois eu, somente hoje, que me encontro em posição semelhante à que você se achava em outro tempo, compreendo a força e a beleza de seus ideais. Mas, primordialmente, escrevo para parabenizá-lo pela conquista do poder e para desejar-lhe um bom trabalho, seja lá qual for o período pelo qual pretende governar essa nação. E também para acusar um detalhe sobre nós dois, que me acorreu à ideia logo pela manhã. Pensei que, apesar de tantas antagonias que traçamos, nós preservamos em nossa essência uma firmeza que nos faz muito parecidos. Independentemente de bandeiras, partidos ou filosofias, a despeito de repressões ou liberdades, queremos ambos, e trabalhamos para tanto, a mesmíssima coisa: fazer com que o mundo, e as pessoas, funcionem do jeito que nós queremos.

Saudações cordiais, 
Tirano Sanguinário





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