INVENÇÃO

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INVENÇÃO


Saber como fora seduzido, ou se ele mesmo fora o sedutor, já não era mais a questão de Eugênio. Havia sido, quando se perguntava, anos antes, sobre suas insistências em permanecer naquela relação. Desejava saber agora era da antítese. 

Encantara-se pelo escritor antes mesmo de conhecê-lo, muito comum. Ao ler as palavras, os restos, acreditava estar desvendando o homem. Quando enfim foram apresentados, não pelo destino, mas pelo esforço de Eugênio, pensou estar diante do elaborado autor de suas ficções preferidas. Seduziu-o facilmente, por sua vez, e trouxe-o para ficar ao lado. Vasculhando a memória, Eugênio não encontrava lembranças de votos ou promessas por parte do escritor; no entanto, esperava que ele lhe entregasse o vasto ser que anunciava em seus escritos, sabedor de amplos universos. 

As verdades, as filosofias, as coragens, onde estavam elas? Ora, onde estavam elas?! Estavam e estão por lá, nas páginas! Eugênio persistia em sua busca pelo escritor, nas noites, à mesa, na cama, mas ele não morava lá. O homem que dormia ao seu lado era moroso, tinha hábitos saudáveis e um temperamento irascível. Não dizia muitas coisas em palavras, mas estava sempre gesticulando, ou com as mãos ou com os atos. Por vezes, em dias que Eugênio bem se lembra, falava muito mais do que o de costume: era sobre o que escrevia, sobre antídotos. 

Eugênio habituou-se àquele homem que não era o escritor, contudo, embora houvesse se acostumado ao tolhido relacionamento, incomodava-se de não ter exatamente as porções mais desejadas do outro. Em algumas conversas, Eugênio pedia, sem inibições, que o escritor lhe desse mais, e tentava explicar o que queria, mas recebia respostas negativas. O escritor falava de ausências, de incapacidades, de ilusões. 

A expressão de que Eugênio se vale para fazer referência àquele dia já lhe era cara desde sempre. “O primeiro dia do resto de nossas vidas”. 

Naquela tarde de domingo, mantivera o escritor acuado, obrigando-o a falar de sua incompletude, penoso trabalho para ambos. Já houvera momentos parecidos, mas iam ficando mais dolorosos com tantas repetições. O incômodo desses lentos diálogos, que eram dores, advinha principalmente do dizer de tantas mentiras, mesmo em uma hora tão sincera. O escritor era, como Eugênio sempre soube, um sabedor. Sabia muito, muito, muito, mas não era capaz de perceber aquilo que sabia. Sofria, o escritor, por saber que alguma coisa lhe escapava, e que lá estava sua alma, acessível, mas indecifrável. Poderia entregá-la a Eugênio, atendendo a seus clamores, mas não do jeito que lhe era pedido: com significados – palavras ou atitudes. 

No primeiro dia do resto de sua vida, Eugênio estava fatigado, exaurido, após a discussão com o escritor. Foi o cansaço, que é sempre excelente para o saber, que lhe sugeriu mais uma tentativa. 

A noite ameaçava a entrar, quando ele disse ao escritor: 

“Inventa-me!” 

No primeiro dia do resto de sua vida, o escritor assumiu a invenção de Eugênio e também a sua própria. Não havia vastidão nem timidez – decifrou esse mistério sobre os homens – senão apenas páginas e mais páginas a serem escritas. 

Inventou Eugênio como se criasse um antigo livro, uma escritura, uma descoberta. 

Inventava, cuidadosa e laboriosamente, sua obra-prima.





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