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PARIS
A primeira vez que vi Greg pensei que ele era novo demais. Não para mim, pois temos a mesma idade, diferença de dias. Mas para o lugar que ocupava: em meio a uma mesa de catedráticos idosos e desanimados, ele destoava com sua energia juvenil. Tinha 26 anos e sua própria cadeira no departamento de história da Universidade de Columbia, Nova Iorque.
Depois da primeira visão, tudo foi caminhando para essa paixão que ainda vivo. Li seus livros, fui seu aluno, seu admirador, sua dúvida, seu amante, seu parceiro. Mas aquela primeira visão, que poderia ter se perdido entre tantas boas lembranças, apenas ganhou força. Hoje, sei que é porque continuo vendo o mesmo homem que dividia a mesa com os catedráticos: o homem com sede de saber.
Moramos juntos durante cinco anos, ou menos. Uma das cenas mais repetidas em minhas retinas era, ao chegar em casa, deparar-me com Greg dormindo no sofá, cercado de livros. Por vezes, dormia com o livro nas mãos, ou como travesseiro. Já houve vez de tentar fazer o livro de cobertor. Quando acordava, reclamava de vê-los todos amassados, esparramados, babados.
Mas, na maioria das vezes, Greg abraçava os livros e dormia, bem agarradinho, livro junto ao peito. Adormecido, era ainda mais bonito, pois o seu saber parecia mais leve, parecia mais perfeito. Era como se tudo que estivesse guardado dentro de si estivesse estático, organizado, indubitável.
Da última vez, quando entrei, achei que minha agitação pudesse despertá-lo, mas ele estava em sono profundo. Queria acordá-lo, dizer a ele que eu havia conseguido. Mas esperei. Preparei o jantar, abri o vinho, fui para o banho. Quando saí, flagrei-o espiando a comida no forno. Beijei-o. Disse a ele que eu havia conseguido, e ele urrou de alegria, dançou comigo — sem música, na cozinha.
Foi só então que eu notei que havia algo escrito em seu peito. Greg dormira sobre um livro cuja capa exibia enormes letras em alto relevo. Com o peso de seu corpo, Greg se fizera marcar com as letras, as quais, mesmo invertidas, eu li: PARIS!
— Paris?
Ele buscou o livro e me mostrou. Era um guia fotográfico da cidade. Greg passaria oito dias em Paris, em um congresso. Estava animado, tanto que comprara o livro, ainda que pouca informação tivesse. Quis ir com ele, mas não podia. Não agora, que eu havia conseguido. Então ele foi para Paris. E não voltou.
Por isso eu nunca fui a Paris: medo de mais tristeza. E à mínima menção, imagem ou alusão a qualquer coisa que me faça lembrá-la, estremeço. Não posso ouvir de Louvre, Rodin ou Eiffel. Sou avesso a menu’s, à la mode’s e fiancé’s. Mas o pior não foi isso. Hoje, a cada livro que abro, penso em Greg, em seu peito, em sua inteligência. Lembro-me de tudo, até um pouco mais. Penso em me mudar de Nova Iorque, para esquecê-lo. Mas não adiantaria; há sempre livros... e Paris.
Depois da primeira visão, tudo foi caminhando para essa paixão que ainda vivo. Li seus livros, fui seu aluno, seu admirador, sua dúvida, seu amante, seu parceiro. Mas aquela primeira visão, que poderia ter se perdido entre tantas boas lembranças, apenas ganhou força. Hoje, sei que é porque continuo vendo o mesmo homem que dividia a mesa com os catedráticos: o homem com sede de saber.
Moramos juntos durante cinco anos, ou menos. Uma das cenas mais repetidas em minhas retinas era, ao chegar em casa, deparar-me com Greg dormindo no sofá, cercado de livros. Por vezes, dormia com o livro nas mãos, ou como travesseiro. Já houve vez de tentar fazer o livro de cobertor. Quando acordava, reclamava de vê-los todos amassados, esparramados, babados.
Mas, na maioria das vezes, Greg abraçava os livros e dormia, bem agarradinho, livro junto ao peito. Adormecido, era ainda mais bonito, pois o seu saber parecia mais leve, parecia mais perfeito. Era como se tudo que estivesse guardado dentro de si estivesse estático, organizado, indubitável.
Da última vez, quando entrei, achei que minha agitação pudesse despertá-lo, mas ele estava em sono profundo. Queria acordá-lo, dizer a ele que eu havia conseguido. Mas esperei. Preparei o jantar, abri o vinho, fui para o banho. Quando saí, flagrei-o espiando a comida no forno. Beijei-o. Disse a ele que eu havia conseguido, e ele urrou de alegria, dançou comigo — sem música, na cozinha.
Foi só então que eu notei que havia algo escrito em seu peito. Greg dormira sobre um livro cuja capa exibia enormes letras em alto relevo. Com o peso de seu corpo, Greg se fizera marcar com as letras, as quais, mesmo invertidas, eu li: PARIS!
— Paris?
Ele buscou o livro e me mostrou. Era um guia fotográfico da cidade. Greg passaria oito dias em Paris, em um congresso. Estava animado, tanto que comprara o livro, ainda que pouca informação tivesse. Quis ir com ele, mas não podia. Não agora, que eu havia conseguido. Então ele foi para Paris. E não voltou.
Por isso eu nunca fui a Paris: medo de mais tristeza. E à mínima menção, imagem ou alusão a qualquer coisa que me faça lembrá-la, estremeço. Não posso ouvir de Louvre, Rodin ou Eiffel. Sou avesso a menu’s, à la mode’s e fiancé’s. Mas o pior não foi isso. Hoje, a cada livro que abro, penso em Greg, em seu peito, em sua inteligência. Lembro-me de tudo, até um pouco mais. Penso em me mudar de Nova Iorque, para esquecê-lo. Mas não adiantaria; há sempre livros... e Paris.
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Adorei. Tão sutil, feliz e triste ao mesmo tempo... =)
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