REVELAÇÕES: INVENTÁRIO DA PAIXÃO

(para saber mais sobre o projeto "Destruído está este coração", clique aqui)



PARTE V
Revelações: inventário da paixão





eu tento amá-los
um por vez
mas me pisoteiam todos ao mesmo tempo
eu os amo todos
de uma vez e sempre
mas as mágoas têm nome
e me visitam
uma a uma
neste endereço em que moro


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Gosto desse tipo de tristeza.
Sei que a sentem
na Índia
no Japão
e em Guadalajara.
A tristeza da solidão
não é melancólica - temos cúmplices.


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- mantenham os cintos afivelados
- a máscara vai primeiro em você
- depois no outro
- não entre em pânico
- siga as instruções
CUIDADO!
- voar não é pra qualquer um


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guarda sol guarda chuva
guarda roupa guarda volume
guardacorpo

porta joia porta retrato
porta luva porta aviões
portacopo

o guarda, o guardião
o porto, a porta

antes de me fechar
abra-me

antes de me salvaguardar
porta-me

(parta-me!)


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Dividir:
esse verbo que
junta
e
separa.

És soberano, verbo divino!


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sou destro
mas jogo de lateral esquerda.

o futebol tem aprendido do amor:
é menos chute
e mais movimento.


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Meu ânimo para
a vida a dois
tem preguiça
de subir morro.

Hoje faz sol,
está quente e úmido.

Quero paixões
ao nível do mar!


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Matemática arriscada:
dois


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sabemos
- nós dois -
- dois nós -
que o amor não se cultiva
o amor não cresce
o amor não vive
o amor não morre
amor,
a morte,
amo-te.
o amor me aperta como se hoje fosse o juízo final.


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aquele homem
não se explica

tem no coração
a verdade das coisas

se ele toca um outro
com a ponta de seus dedos

logo o outro acaricia-lhe a barba
mira-lhe a boca

ele está sempre a um toque
do amor


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demorei
na vida
para
compreender
a diferença
entre
remendar
e
remedar


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Não sabiam em Pompeia
mas o vulcão era feito de raiva
e a lava era feita de cola.


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ontem
na cadeia
aprendi a brigar com faca.

próxima lição:
aprender a brigar com faca
cravada no peito.


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a costura
foi uma invenção minha.

só depois
pude
inventar
meu homem.


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Meu namorado
de mentira
chama-se
Will,
que, em inglês,
quer dizer
"vontade".
Ele existe para
me curar
do desejo,
esse desejo que me habita.


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Não tenho vizinhos.
Nenhum homem se aproxima.
O cão que late
em meu portão
é feroz e baba.
Nas horas vagas,
ele,
o cão,
enterra ossos.


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Decidi manter
um diário.
Mas jurei que tal intento
tem prazo.

Falei baixinho
diante das páginas em branco:
escrevo-te agora
mas um dia
vou te destruir.


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Estou aqui
prestes a morrer
e me lembro do livro de ciências:
os bois ruminam.

Mas há horas
dias
décadas
vidas
galáxias
estou sendo mastigado
por este leão,
e nem me lembro mais
de que família ele vem,
nem me lembro mais
o que é uma espécie.


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a imagem do teu pau
é o que vem

lembro das orelhas, sim
das coxas, sim
da voz, também

não esqueci das mãos
dos vãos
do suor salgado em minha língua

mas se a tarde me fala
da distância
a imagem do teu pau
é o que vem

dizem que isso é saudade
de verdade


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Eu poderia dizer que é
raiva,
mas é inveja
despeito
saudade
não tem jeito.

Eu poderia negar que é
amor,
mas é
amor.


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toda vez é início
eu tento apreender
mas não escapo de mim:
meu destino é aprender
reaprender

a cada homem -
como beijar?
como trepar?
como amar?
não sei -
o tipo de "não sei" que não acaba.

como pode alguém
nunca saber?

eu posso.
eu sei.


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