FLORES



FLORES


A pressa de sua caminhada não era por medo, já que era dia, era mais pelo incômodo de estar em uma vizinhança que era hostil ao povo árabe, de cujos traços e trajes era portador. Sua ida, ao bairro, era para pleitear o favor de um antigo patrão. A esperança lhe veio acesa, pois precisava de dinheiro para a saúde da filha mais velha e também para comer, beber e morar. Não foi possível, não o receberam bem. Sua vinda à Europa, vinte anos antes, fora também para buscar ajuda e asilo, que lhes foram dados, e desde então teve emprego e coisas — as coisas materiais — de que precisava. Entendeu que não deveria, por força da cultura ainda em processo de assimilação, exigir mais dos autóctones.

As passadas tinham a feiúra de quem fora rejeitado, porém o levaram ao portentoso e bem cuidado jardim na entrada do bairro. Na ida — vinda — não havia reparado nas flores, que beleza! A pobreza lhe negara desde muito tempo atrás a prerrogativa de enfeitar a vida, a casa. A esposa e as três filhas eram caprichosas, mas cumpriam a parcimônia exigida pelo pai para a sobrevivência da família.

O encontro com o jardim — não posso precisar o nome das flores brancas que lá estavam — fê-lo esquecer que era um árabe — cujo nome também me escapa neste momento — em terra bem ocidental. Ousou colher as flores, muitas as colheu, e arranjou-as em um ramalhete apertado nas mãos. Saiu dali, foi para longe, para onde pertencia.

No dia seguinte, a esposa Zahra e as três filhas o acompanharam no almoço, todas bem humoradas, a casa adornada pelas flores brancas vindas do reduto dos outros.

Respondeu à esposa: “Não houve risco! E se houvesse, eu as traria ainda aos montes! As flores são todas de Allah!”

Fez uma pausa.

“Assim também somos nós, são vocês, é essa casa! Se me fizerem culpado de roubar as flores, digo-lhes que não devem se preocupar com tão pouco, pois já lhes foi roubado o entendimento”.

Zahra, a esposa, agradeceu o marido pela coragem e pela consideração por ter visto as flores e se lembrado de casa.






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