DUISIER

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DUISIER 


Duisier sentia-se mais livre quando cavalgava a toda velocidade. A família LeVec, da qual Duisier era um legítimo herdeiro, trazia anotada em sua linhagem uma devoção mística por cavalos. Perdido na realidade dos LeVec mais recentes, o amor pela equitação, pelas habilidades hípicas e pelas histórias de cavalaria ainda resistia em alguns troncos da família, o que sugeria significados para a parceria tão bem sucedida que já se esticava por alguns séculos. Na casa de Duisier, as raízes ainda se faziam sentir. Quando estavam reunidos por algum motivo solene, ou quando se acareavam para dar cabo de alguma altercação, ou mesmo quando, sem perceber, ajuntavam-se, formando roda, havia sempre aquele momento em que um corte se abria na conversação e um encaixe do passado era invocado por um parente mais velho. Duisier desde pequeno apreciava estes intervalos. Principalmente porque sempre se refaziam as vozes e os ouvidos para as histórias que, inescapavelmente, contavam um cavalo como personagem.

Essas breves incursões narrativas não agradavam a todos os familiares. Sabiam que as histórias, muitas vezes fabuladas para enfeitiçar os mais imaginativos, desregravam as ideias e inibiam os argumentos dos LeVec, sendo utilizadas covardemente para fazer embolo no enredo da conversa. Muitas dessas narrativas se perdiam ao longo dos anos na cabeça de Duisier, muitas se misturavam umas com as outras, e algumas — quando ele as relembrava junto a um primo mais novo — se criavam à semelhança das antigas. Duisier LeVec encantava-se especialmente com a história que se indicava como a mãe de todo o mistério entre sua ascendência e os cavalos. Contava que Antoine LeVec deixara crescer por anos e anos seus cabelos e depois os cortara para embelezar a crina de sua égua, de uma raça sem muitos atributos de beleza, dando a ela a possibilidade de fundar uma nova linhagem com um macho de bom porte. 

Duisier viveu até os seus 14 anos junto com os pais, os tios, os avós, as histórias de cavalo, os primos e os irmãos em uma das fazendas dos LeVec e depois, como de costume, foi estudar em Paris. Mesmo consumido pela vida agitada e sedutora da capital, Duisier sempre salvava o verão para retornar à fazenda. 

Desta vez, voltara para casa bem antes do previsto, tamanha era a vontade de se perder num galope. 

Era comecinho de primavera, comecinho da manhã, e Duisier preparou um de seus cavalos para um passeio. Duisier não tinha preferência por nenhum cavalo da família e por vezes até esquecia que recebiam nomes para diferenciá-los. Os animais, no entanto, quando sentiam Duisier adentrar o estábulo, inquietavam-se. Duisier era um rapazote bem franzino, de ossatura leve e cabelos encaracolados levíssimos. Não fazia peso em dorso qualquer, fazia apenas a direção. E, por alguma razão — sabida em suspenso em todas as baias — uma agitação encurtava o estábulo à entrada de Duisier. 

Tendo aprontado um cavalo naquela manhã, ele retornou à casa e trocou também de roupa. Vestiu uma bota comprida de couro marrom brilhoso que, em seus canos altos, guardava as barras das calças, também marrons, justas ao corpo. Levava um colete que fazia combinação com a calça, vestido por cima de uma camisa branca de um algodão já um pouco amarrotado. Prendia num coldre largo, além de uma pistola de cabo de madeira, uma faca curva que sempre lhe era útil para um passeio no campo e um cantil de barro. Completando a indumentária, amarrada pelo pescoço, uma capa preta de tecido fino, com um capuz largo jogado para trás, no qual caberia até mesmo a cabeça de um cavalo, que se sacudia ao andar acelerado de Duisier. 

A propriedade dos LeVec se estendia por muitos hectares de um relevo pouco acidentado, com muito chão e muito céu. Quando a família cavalgava em conjunto, os mais assanhados sempre davam largadas a correr pelos campos abertos, numa corrida em liberdade, sem sequer vislumbrar algum obstáculo. A colina mais próxima podia ser avistada bem ao sul das terras dos LeVec, já próxima à divisa com outras propriedades. Depois dessa colina, um bosque. 

O sol já se espraiava sobre todo o campo. Duisier cavalgou por muito tempo no sol. Já estava transposta a colina. No bosque havia sombra e Duisier sabia que gostava mesmo era de sombra. Mas não queria descer do cavalo. Então se lançou a galope por entre as árvores. Cavalgar pelo bosque exigia de Duisier uma habilidade firme e veloz, e ele acelerava o cavalo numa corrida cheia de desvios e saltos. E cria que toda a velocidade era para ajudar a fugir da própria queda, o que fazia harmonicamente junto com sua montaria em esquivas improvisadas. Seguintes às suas audazes manobras, Duisier dava urros de euforia e seu cavalo ganhava brio. Seguiu gritando pelo bosque que, mais adentro, ia abandonando sua organização esparsa e ganhando uma face inesperada de selva. Os obstáculos mais imponentes, o cavalo mais fatigado, e Duisier foi abrandando seu ritmo. Veio-lhe o calor do esforço e, em seguida, o frescor da sombra. Devagar pelo bosque que se cerrava, Duisier ouvia as patas de seu cavalo estalarem no chão. E na cadência dos quatro cascos, foi se deixando levar também pelo pensamento. 

Estava assim, um bocado perdido nas ideias, quando ouviu um trotear um pouco mais lento que o de seu cavalo. Atentou os ouvidos, mas o ruído sumira. Já em alerta, aguçou-se todo, procurando por outro cavaleiro. Dessa vez, Duisier julgou ter ouvido um ajeitar dos cascos entre as árvores, como se um animal se aproximasse sorrateiro. Sem saber se era uma emboscada ou se era a espreita de um animal desconhecido, Duisier tocou seu animal pra fora do bosque. Desandou numa cavalgada de volta para fora. Certamente, o que assustava Duisier nesse momento era sua atenção, que não podia ignorar que, muito mais veloz que ele, um outro cavaleiro corria também pelo bosque. Pensava tê-lo avistado à direita, tê-lo ouvido à esquerda. E num dos caprichos onde o bosque parecia ser só obstáculos, onde não se sabe se os caminhos se perdem ou se bifurcam, surgiram — e uso esta palavra porque a suponho capaz de fazer entender que Duisier foi surpreendido por um porvir já esperado e, ainda assim, não pôde antever coisa alguma — dois cascos no ar. Frente ao outro animal que se erguia sobre as patas, a montaria de Duisier se arremeteu de revés, manobra que o atirou à raiz de uma árvore. Antes disso, o jovem LeVec, que herdara de muitas gerações a adoração pelos cavalos, apreciou o pêlo preto do maior cavalo que já vira e seu cavaleiro, que o montava com o peito nu. 

A última coisa que ouviu — e ouviu claro — foi o poque da sua cabeça numa madeira dura e úmida. 

E eis o que se passou depois que Duisier LeVec despertou da breve ausência provocada pela queda. 

Abriu os olhos, e cascos cinzentos afundavam a terra a quinze centímetros de seus olhos. Um calor conhecido perpassou seu tronco. Fechou os olhos. Escutou o animal se afastar. 

Depois de um susto, ou de qualquer alteração muita brusca no que entendemos ser o curso apropriado dos acontecimentos, passamos ainda algum tempo num exercício instintivo de reordenar os elementos que se bagunçaram. Só então, pensamos de novo. Mas a tarde de Duisier seria longa, e o entendimento lhe seria negado. 

Duisier suspendeu as pálpebras lentamente, fazendo que veria pouco a pouco o que estava por ver. Mas só percebeu o que lhe esperava quando viu por completo. Um belo corpo de cavalo, pêlo preto, brilhoso, quase brilhante. Onde era devido haver um pescoço, uma cabeça, crina e focinho — como Duisier sabia tão bem —, brotava do cavalo o tronco de um homem. Uma pele muito branca, combinada com um sutil matiz de azul. Se fosse mesmo um homem por completo, poderia ter lá seus dois metros e meio de altura. E só pareceria grande se o corpo equino também não fosse igualmente meio agigantado. Um rosto demasiadamente humano, e grande, se apontava completo para Duisier. Acompanhando a alvura do tronco, o rosto era branco. A boca e a íris dos olhos eram de um cinza que se aproximava do tom dos cascos. E novamente pretos, os cabelos — que não sei se assim chamados — eram milhares de rígidos espinhos finíssimos, que deviam alcançar uns vintes centímetros de comprimento. Toda essa estrutura mirava o prostrado Duisier. 

Que se levantou tão logo largou de vislumbrar o novo. Duisier não sabia, mas se encontrava na presença de um centauro. Para qualquer um que algum conhecimento prévio tivesse dessas criaturas, por qualquer via que seja, um defrontar real com um ser mitológico já seria motivo de confusão e assombro. Para o jovem LeVec — misteriosamente desconhecedor de qualquer citação ou indício da existência de tal ideia de animal — a visão do centauro foi apenas assombro. 

De pé, fitou o centauro com a mesma totalidade com a qual era encarado. Corria os olhos pelo meio cavalo, pelo meio homem. O silêncio ajudou ambos a apenas observar. E parecendo ter concluído mais rapidamente sua observação, Duisier mediu a distância que havia entre os dois. Prestou atenção à respiração do centauro, que não dava indícios de se mover, agora que estava bem na mira do olhar de Duisier. Então começou, timidamente, uma aproximação. Armou o pé à frente e deu um meio passo numa aceleração constante. Movimentou-se tão lentamente, que acreditou não ter se movido. Quis olhar para baixo, para se certificar de que havia andado uma distância significativa. Contudo, assim perderia o contato visual com o centauro. Este se mantinha com a mesma expressão investigativa, embora tivesse notado a movimentação de Duisier. 

Caminhou na passada lenta até estar a um braço do imóvel centauro. Poderia tocá-lo, mas tinha receio de ousar demais. O centauro não dava nenhuma amostra de se objetar a qualquer intenção de Duisier, mas o desconhecido tem dessas coisas: de expressar mais do que o desejado. O que valia a favor do toque entre os dois era o desejo latente do jovem LeVec de conhecer a criatura. E o tato, depois da visão e da audição, e antes do olfato e do paladar, era para ele, homem comum, o procedimento adequado à aproximação do outro. Passivo, o centauro sentiu a mão de Duisier se aproximar de seu corpo, bem no ponto onde pêlo e pele se encontravam. 

Reação houve. Mas muito sutil e amistosa. Quando Duisier tocou o centauro — em um ponto de sua anatomia que eu não posso precisamente nomear, um pouco abaixo da cintura do homem, um pouco acima da pata dianteira esquerda do cavalo — a criatura retesou levemente os músculos. Duisier retraiu o toque. Encarou o centauro só com o mover dos olhos. O centauro fez que sim sem menear a cabeça. Fez que sim porque permaneceu onde estava. Duisier quis deslizar a mão em direção à enorme pelagem preta do animal, como sempre fazia antes de montar um cavalo. Mas não fez. Ficou com a mão ali, paradinha, o que, por enquanto, parecia ser suficiente. Também pensou em tocar o peito azuláceo. Desta vez, foi adiante. Levou as duas mãos até a altura do peitoral do centauro e pousou-as delicadamente sobre ele. Estava com os braços bem esticados para cima para alcançar o outro a essa altura. Devagar foi descendo a mão, percorrendo o abdome até onde a pele terminava. Matinha os dedos bem frouxos, que iam se ajustando aos contornos do tronco agigantado. Subiu-as novamente, agora mais à vontade, pelas laterais do animal, fazendo-lhe o desenho das costas. 

Finalmente, o centauro fez um respirar bem profundo e lançou um olhar inquisidor a Duisier, que recolheu a mão novamente e deu um pequeno passo para trás. O centauro moveu a cabeça, com olhos fixos, percorrendo Duisier, e adiantou-se em direção a ele. Fez com as mãos gesto de tocá-lo mas, ao movimento das mãos de Duisier, parou. Duisier lhe fez — com bom efeito — sinal para que parasse. Então desatou o laço que lhe prendia a capa e, enquanto desabotoava o colete, esta lhe caía pelas costas. Largou também o colete no chão. A camisa branca, mais amarrotada, úmida de suor, arrancou-a pela cabeça. Era a primeira vez que perdia o centauro de vista. Já com o tronco todo descoberto, Duisier fez postura com peito estufado para o toque do centauro que, um pouco curvado, tocou-lhe no mesmo ponto onde havia sido tocado. No entanto, por estar mais alto, tinha as mãos voltadas para baixo. E assim as deslizou até o coldre de Duisier, e tornou a subi-las, também como Duisier havia feito. Um gesto bem mais curto, considerado o pequeno corpo magro do cavaleiro e a mão enorme do centauro. Tirou as mãos. 

O centauro girou-se e pôs-se de lado para Duisier. Apontou o próprio dorso. Duisier aproximou-se para montar, mas sentiu que o animal era alto demais. Em seguida, o centauro esticou para baixo o braço esquerdo, teso, que serviu de apoio para Duisier, que tomou assento no animal num impulso só. Já montado, sentiu as mãos do centauro a procurá-lo. Deu-lhe as suas. O centauro trouxe os braços de Duisier para se fazer abraçado e pousou as mãos espalmadas do cavaleiro sobre sua barriga. Voltou os braços novamente para trás e, envolvendo Duisier, encaixou suas mãos sobre suas nádegas e puxou-o para frente, justapondo-o ao seu tronco de homem. Agora os braços de Duisier sobraram do outro lado, e ele abraçou apertado o centauro, como se afivelasse um cinto. 

O centauro engatou num galope ruidoso pelo bosque. Mas não fazia, apesar do peso aparente, tanto barulho quanto se podia esperar. Acocorado nele, Duisier experimentava uma nova modalidade de montaria. Não via nada. Tinha o lado esquerdo da face colado nas costas duras do centauro, e via as árvores desenhando linhas horizontais pelo espaço, tal era a velocidade à que iam. Ia seguro, sem medo, protegido, ou pelo imenso tronco, todo grosso de musculatura, ou pela imensa desenvoltura da cavalgada do centauro, que nem parecia se desviar de nada, antes, parecia fazer de sua trilha o único caminho possível. E, assim, o bosque foi se abrindo, se espalhando, até se terminar numa baixada que Duisier nunca havia divisado. 

Um lago logo se fez avistar, e o centauro corria em direção a ele. Só quando já estavam bem próximos da margem, Duisier viu a água e, em seguida, o galope do centauro começou a movimentá-la, e as suas patadas faziam subir os respingos coloridos. Parou subitamente. Fez Duisier desabraçá-lo. Com a mão direita, segurou a coxa direita de Duiser e o empurrou para a água. Sem entender o que acontecia, o cavaleiro só sentiu os dedos do centauro lhe agarrarem a coxa e ser lançado muito além de onde estava. Soube, sempre, que era leve. Mas agora, parecia mais ainda. Submerso, já se refazendo do mergulho desengonçado — e compulsório — Duisier não sabia o que esperar quando emergisse. 

Quando voltou à tona, o centauro lhe esperava, rindo. Rindo de achar engraçada a queda de Duisier. E o jovem LeVec não se pode enganar naquele momento: aquela criatura estranha e familiar o havia conquistado o afeto, rindo-se dele, como se daria entre velhos conhecidos, como se ele, o centauro, fosse seu melhor amigo de infância e também o seu inédito eleito cavalo preferido. 

E Duisier riu em resposta. Riu para se entregar, para ser recíproco. Em pouco, já se entendiam nessa afinidade. Foram parando de rir aos poucos. Enquanto isso, Duisier nadava para fora do lago, agora um pouco pensativo, talvez pensando em como iria lidar com toda essa novidade [ou pensando na história que iria contar a respeito]. 

Saído da água, Duisier foi sentar-se numa pedra que começava em terra e ia morrer bem adiante, dentro do lago. Mais uma vez, se perdeu na figura nova do homem-meio-cavalo. O centauro viu-se observado. Posicionou-se de frente para Duisier e foi caminhando mais para o fundo do lago e, como parecia querer, deixou só o seu meio-homem para fora. Nem assim parecia um homem comum. A pele branco-azulada, sob o sol, parecia reluzir com mais intensidade. Seus espinhos sobre a cabeça, mais distantes de parecerem cabelos, permaneciam, mesmo molhados, rígidos e eretos. No entanto, em meio a um abdome que Duisier já observara e tocara com tanta acuidade, ficou fascinado com o simples umbigo. Parecia, assim, sem pensar muito, a mais humana das características do centauro. Duisier baixou a cabeça e fitou o próprio umbigo. O branco de sua pela tinha um tom mais alaranjado. Olhou para os pés e arrancou as botas e os meiões encharcados. Ficou de pé sobre a grande pedra e sentiu que, somado a ela, parecia bem maior que o centauro. Este, do lago, olhava atento para Duisier. 

De lá, Duisier começou a soltar o coldre, o cantil e logo o cinto. Jogou cá embaixo da pedra. Abriu as calças e tirou uma perna de cada vez, com um pouco de dificuldade, por causa de tanta água. Tirou as ceroulas e as arremessou junto com as calças para longe da pedra. Fez pose para o centauro. Ficou lá sobre a pedra. 

E o vento, que já estava ali, adormecido, desprezado, mas só agora se fazia notar, corria em volta do corpo de Duisier. O cavaleiro fechou os olhos e permitiu que o vento lhe acarinhasse. O vento, que não escolhe por onde passa, lhe acariciou o corpo todo. E Duisier, com braços abertos, na postura de receber vento, foi se excitando como um animal prestes a copular. Seu corpo exalava calor, com suor, com cheiros. Seu pau, aos poucos, ia se avolumando, se erguendo, se esticando, até ficar apontado para o centauro, que, da água, apreciava o prazer de Duisier. Desse jeito, abriu os olhos e, como fizera no bosque, fez pose para o centauro. 

O centauro foi vindo devagar para fora do lago. Quando saiu todo, Duisier viu que ele também estava excitado. O pau do centauro, enorme como ele, estava todo duro sob o animal. O movimento de seu corpo também parecia mais enrijecido e, talvez, um pouco mais lento. Fechou os olhos e abriu os braços, como Duisier fizera sobre a pedra, e tomou vento. Tomou o vento que percorria todo o corpo, qual fosse sua forma. E fechou os braços, abrindo os olhos. Foi passeando, mais lento ainda, em direção à pedra em que estava Duisier, até ficar bem próximo do seu montador. Duisier desceu da pedra e foi se achegando ao centauro. 

Cara a cara, ambos recomeçaram a inspeção de corpos, contudo, no que eram diferentes. Se antes se tocaram nos peitos, na barriga, agora se tocaram onde viam que não se equivaliam. Primeiro Duisier. Correu a mão sobre o pêlo do centauro que, molhado, parecia mais homogêneo. Alisou-lhe o rabo várias vezes e, uma por uma, percorreu com as mãos as quatro pernas, das virilhas até os cascos. Em seguida o centauro. Ergueu Duisier pelos sovacos e lhe devolveu ao alto da pedra. Girou-o, pondo-o de costas para si. Contornou-lhe a redondeza dos glúteos e fez a mão escorrer por entre as pernas de Duisier. Deteve-se um longo tempo a acariciar-lhe os dedos dos pés e, de vez em quando, num movimento contínuo, fazia as mãos virem de novo até os glúteos, para descerem por um caminho sempre novo rumo aos pés. 

Duisier virou-se de frente por sua vontade. O centauro fez força no corpo de Duisier para que ele deitasse. Ele se deitou. O centauro abriu os braços de Duisier e começou a soprá-lo. Soprou um vento bem leve no rosto de Duisier. E, num fôlego contínuo, foi espalhando o hálito gelado sobre o corpo nu estirado sobre a pedra. Duisier sentia pedra quente e ar frio simultaneamente. O cavalo-meio-homem lhe soprou o corpo todo, escolhendo os melhores pedaços de Duisier para excitar com o seu vento. Orelhas, dedos, cabelos, juntas, pau, mamilos. Virou-o de costas. Soprou-lhe a nuca e o ânus, fazendo o seu ar entrar em Duisier.

Quando pareceu finalmente perder o fôlego, o centauro logo fez sinal para Duisier montá-lo novamente. Duisier tomou lugar com facilidade, partindo de cima da pedra. Desta vez foi melhor. Encaixar-se assim, nu em pêlo, sobre o centauro. Nem esperou que se lhe puxasse e se arrastou até colar seu peito às costas do centauro e abraçou-o pelos ombros. O centauro ia fazendo um giro ao redor de si mesmo quando se deteve abruptamente. 

Parados ali, oito centauros assistiam aos dois. 

Duisier sentiu instantaneamente o corpo do centauro se encolher sob ele. Recuando até a pedra, fez para que Duisier descesse. Duisier sentou-se sobre a pedra e travou o olhar no centauro. Ele respondeu. Mas logo se desviou e tornou a encarar o grupo. Assim como ele, todos eram muito grandes, contudo, variavam em cores, rostos, corpos, cabelos, rabos. Um deles, que estava à ponta do semicírculo em que se arranjavam, adiantou-se até o centro. Era de pelagem e pele branca. Cabelos, sobrancelhas, pelos corporais: tudo branco. O centauro alvinegro — o de Duisier — aproximou-se. Ficaram tête-à-tête. Os outros permaneceram fitando os dois centauros, todos em silêncio. Por muito tempo. 

A tarde foi se escondendo, a noite descendo devagar, e a cena em nada se alterava. Duisier já se encolhia de frio, mas não arriscava se mover para alcançar suas roupas. Os dois centauros atravessavam-se com olhares. O vento, que não escolhe por onde passa, ficou incomodando Duisier. Raspava sua pele como lâmina, entrava pelos poros, esfriava-lhe os ossos. No seu desconforto, Duisier, num calafrio, gemeu, baixo. E o centauro — o que o havia soprado — olhou para trás, para Duisier. 

Os outros se foram. Todos os outros centauros se afastaram dali, como se nunca tivessem estado. 

Houve um curto abraço entre Duisier e o centauro que foi seu. Era uma despedida. O dia se desfez. Estranho encontro, estranhos destinos. A estranheza ocupava outros lugares. 

Duisier voltou a cavalgar por descampados bosques colinas lagos. Procurava o seu outro, seu espelho, em mitologias distantes. Ele demorou para compreender que seu passado encontro não se repetiria. Em algum lugar, havia um centauro sendo punido por uma ousadia, por uma covardia.





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