APRENDIZ

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APRENDIZ


Thomas viajou de Londres até Florença para um curso sobre História da Arte. Ficaria por um mês na cidade, esse era o plano: três semanas para o estudo, uma para o convidativo dolce far niente.

Encantou-se com o homem que o guiaria pelos livros e pelas ruas. Não se permitia desviar a atenção do italianíssimo mestre, que era de Verona, mas ainda que fosse de Roma, era como a própria cidade parlando, parlando, parlando! Falava sobre as formas, e Davi, e a Piazza della Signoria, e o Bargello, e a Galleria dell'Accademia, e técnicas, e Dante Alighieri, e La Cattedrale. Entremeava tanta arte com um pouco de história, as suas próprias, a sua própria, e contava lições descobertas anedotas. Contudo, havia ainda mais, pois explicava aos sedentos e oferecidos ouvintes o que sabia sobre mecânica, filologia romana, fórmulas químicas, a respeito da Copa do Mundo de 1990, os segredos íntimos do Cardeal Richelieu, as voltas da literatura russa, descrevia detalhadamente ritos de povos polinésios, as explosões solares, criticava Wittgenstein e toda a lógica, e ensinava sobre o preparo de paellas e pães de cevada.

Thomas não resistiu e lhe fez um elogio e uma pergunta, sobre o seu aprendizado, sobre ser um homem veramente interessante. Interessado, o mestre respondeu que era interessado na vida, nas coisas que estavam, e que cada pequeno saber era uma valiosa nuance de um afresco em seu interior, no teto de seu interior, como se ele tivesse uma abóbada, e inventou mais metáforas, mas não foi bem claro, foi mais poético. “Eu gosto de tudo que sei. Como quero saber, acabo por gostar. I can’t help it!” Não se arriscou a dizer sobre o que era inevitável — muito complicado — mas Thomas entendeu que não era uma opção: o interessar-se.

No final daquele dia, quando saíssem da Basilica di Santa Croce, Thomas convidaria Andrea, o mestre, para um café, mas o levaria a outro lugar, um calmo, onde pudesse se colocar em uma pose de significado, para que o outro se interessasse em aprendê-lo, prendê-lo, salvaguardá-lo para si. Depois da pose, mover-se-ia em gestos de sabedoria e nunca mais seria esquecido, seria narrado para outros discípulos, pela inteligência do mestre, espremido entre um algoritmo e uma letra hebraica.

Andrea aceitará o convite de seu aluno inglês, que lhe chamara a atenção antes que levantasse o olhar. Acompanhará a intenção, irá até o café, seguirá ao outro lugar. Ficará, em um momento lento, sem saber como agir, e fará perguntas que nada terão a ver com sua curiosidade, sem efeito. Em outra tentativa, despir-se-á, jogar-se-á sobre o corpo de seu aprendiz. Vir-lhe-á então o insight, porque se lembrará, por associação, de já ter feito perguntas vazias e de já ter se desnudado diante de tantas matérias, sempre sem efeito. Perceberá que, para ir adiante, para tomá-lo para si e gostar-lhe, terá de proceder como se aquele homem fosse um ponto. Retirar-se-á de seu corpo, vestir-se-á, e, por fim, dirá palavras sinceras e esperará a reação de Thomas.

Começarão um diálogo.

Andrea irá se assustar ao olhar para o rosto do outro, pois será remetido a uma expressão conhecida, mil vezes conhecida. Gozará da certeza e da segurança de mirar uma coisa nova tão entranhada de coisas antigas, e vislumbrará o aprendiz, apreendido, no afresco de sua imaginária abóbada, mais um adorno, uma pincelada, um homem, o primeiro e repetido homem a compor o seu teto interior.





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