ESTOCOLMO

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ESTOCOLMO


“Quem é você?”
Ivo perguntou com impetuosidade na voz, mas se arrependeu quando sentiu que suas mãos estavam algemadas. O homem a quem se dirigia estava sentado em uma poltrona bem em frente à cama onde Ivo estava preso.
“O que você quer?”
A segunda pergunta soou assustada. Ivo entendeu melhor a situação em que se encontrava.
O mulato que o encarava parecia bem acomodado à poltrona estofada de vermelho. Estava bem à vontade, com roupas caseiras, short, camiseta, chinelos. As roupas curtas conduziam o olhar para o seu corpo forte, visivelmente, com os músculos todos à mostra, grandes músculos, porque ele era grande.
“Meu nome é Carlos.”
Voz decidida. Tinha os lábios inchados, como têm esses mulatos fortes, e os olhos marrons. O cabelo crespo estava todo arrepiado para cima, estilo blackpower, mas ainda precisava de alguns meses para chegar ao ponto ideal. Arredou-se para a beirada do assento e entrelaçou os dedos das mãos, antes de explicar a Ivo como seria.
“Ivo. Você é agora meu refém, ok? Não sei o quanto isso diz a você, mas, para não cairmos em desentendimentos dispensáveis sobre a questão, vou resumir alguns conceitos e princípios para que tudo corra bem.”
O medo foi amplificado dentro de Ivo. Apesar do aspecto marginal — mulato, forte, roupa curta — o sequestrador era extremamente bem articulado. Não pelas palavras, mas pelo jeito de pronunciá-las. O discurso era fluido, estava focado sem esforço na mensagem que desejava transmitir. Ivo não se furtou de recuperar o preconceito social que associava os crimes mais hediondos aos homens que os cometiam com sobriedade e clareza.
“Primeiro: eu mando, você obedece. Caso contrário, sua vida está ameaçada.”
Ivo olhou ao redor procurando a arma da coação. O cheiro de Carlos veio sobre ele. Perfume de sabonete.
“Segundo: nós estamos em uma chácara no meio do nada. Não alimente esperanças de escapar. Mesmo que saia da casa, não chegará a lugar algum.”
A paisagem entrevista pela janela era mata fechada, morro acima. O verde ainda estava com o aspecto molhado da chuva que cessara há pouco. Carlos levantou-se e caminhou até uma pequena estante. De dentro de um pote de porcelana, sacou a chave das algemas que prendiam seu refém. Saiu do quarto. Quando voltou, carregava uma corrente grossa, e assentou-se na beirada da cama, fazendo Ivo encolher-se em defesa.
“Eu vou soltar suas algemas. Mas você vai ficar preso pela corrente.”
Jogou a corrente no chão. Pelo barulho, eram pesadas.
“A corrente é comprida, então você vai poder se movimentar pela casa toda. Quando precisar ir ao banheiro, vou soltá-lo. Completamente.”
Apontou o banheiro com um movimento de cabeça.
“Quando você sair do banheiro, volta para a corrente. Não tente nenhuma graça! Nunca!”
Carlos fez sinal para que Ivo lhe apresentasse as mãos algemadas. Soltou uma das mãos e enganchou-a no último elo da corrente. O arranjo era frágil, sabia. Fechou o máximo que pode a algema ao redor do pulso direito de Ivo. O refém era magro, ossos finos, e Carlos quis certificar-se de que não lhe escaparia. Levantou-se da cama e dirigiu-se à porta, sinalizando a Ivo que o seguisse. Ivo hesitou. Não sabia se deveria sair de onde estava.
“Ah! Esqueci o terceiro ponto, o mais importante... pelo menos para você: não haverá contatos com sua família, nem pedidos de resgate. Se nossa aventura seguir um bom curso, em um mês eu liberto você. Um mês a partir de ontem. Vai cair no dia 23 de abril. Agora vem. Vem que eu vou mostrar a casa.”
Ivo seguiu Carlos até a porta. Não havia muito a ser explorado. Além da suíte, havia apenas uma sala de estar e a cozinha. Não era um cativeiro qualquer. Como notara desde o quarto, a pequeníssima casa na qual ficaria confinado no próximo mês havia sido profissionalmente decorada. Estilo masculino, americano, década de 30. Alguns toques de cor, nos livros, nas fotos penduradas pela parede.
“Vamos jantar agora. Depois do jantar, você pode tomar banho.”
Assentados à mesa — arroz, feijão, alface, tomate, almôndegas, suco de uva — Ivo cobrou, não sem coragem.
“O que você quer? O que você quer de mim?”
Carlos o encarou. Pousou os talheres na borda do prato, terminou de mastigar a última garfada e tomou um gole curto do suco de uva.
“Ivo. Você já ouviu falar na Síndrome de Estocolmo?”
A expressão era familiar a Ivo. Mas não fazia a mínima ideia ao que estava associada. Onde ficava mesmo Estocolmo? Na Suécia? Ou na Suíça? Abanou a cabeça negativamente.
“Vou tentar ser breve, apesar de este ser um assunto muito interessante. A Síndrome de Estocolmo fica caracterizada quando a vítima de um sequestro desenvolve um afeto positivo em relação ao seu agressor, seja ainda no cárcere ou depois de sua libertação. O estresse e a situação desprivilegiada em que se encontra faz com que alguns atos do opressor sejam interpretados como atitudes de carinho ou cuidado.”
Ivo foi acossado pela própria respiração. Se o medo daquele início de noite pudesse ser rememorado, não caberia em nenhuma sensação.
“Por exemplo. Eu estou lhe servindo uma refeição decente. Aliás, você está assentado à mesa comigo, que detenho o poder. Para uma vítima da síndrome, a interpretação óbvia seria: ele poderia não me dar nada, poderia me deixar passar fome. Ele poderia me matar se quisesse. Mas não, está agindo com humanidade, entendendo a situação em que eu me encontro.”
Carlos voltou a comer. Ivo notou sua satisfação enquanto explicava. Enquanto pensava no que havia ouvido, o medo fez uma brecha para a fala indignada.
“Isso é ridículo! Se você não tivesse me sequestrado, eu não precisaria de nenhum cuidado! Nada do que você possa fazer vai atenuar seu ato criminoso. Isso não é favor, é crueldade!”
Ivo pegou o prato, ainda com comida, e jogou-o contra a parede. Pegou também o copo, mas interrompeu-se.
“Isso não foi elegante de sua parte, Ivo.”
Carlos se levantou para limpar os cacos e a comida, sem disfarçar um deslocado desapontamento. A tarefa levou longos minutos. Sentou-se à mesa e falou firme, dedo apontado na direção de Ivo.
“O que você não sabe é que a Síndrome de Estocolmo é mais comum do que você imagina. Algumas vítimas tornam-se aliadas, amantes, protetoras de seus algozes. O que você também não faz ideia é de que não importa o que você pensa! Em menos de um mês, você vai gostar de mim. Vai ser grato. Vai se comportar como se comportam os fiéis, os agraciados com o prêmio. Mais que isso: esse sequestro, Ivo, e esse lugar aconchegante que eu preparei para você não são tão importantes como o que vai acontecer dentro da sua mente. Então, comece a ficar agradecido desde agora.”


Alguns episódios, atos, podem guiar as deduções sobre o que pode ter acontecido na cabeça de Ivo enquanto esteve no cárcere. Mesmo assim, isolados, sem continuidade, esses ventos desenham também a astúcia de Carlos em seu esforço para obter sucesso em sua irônica metáfora.

Naquela mesma noite, depois de deixar Ivo tomar sossegado o seu banho, Carlos lhe deu algumas mudas de roupas limpas, que ficaram largas no corpo magro.
“São minhas. Mas enquanto você estiver aqui pode usá-las.”
Depois de acorrentar Ivo novamente, foi ele mesmo para o banho. Não fechou a porta. Despiu-se, urinou e entrou debaixo do chuveiro, completamente exposto ao olhar de Ivo. Este, deitado na cama, via inteiramente o corpo de Carlos, dos pés aos cabelos. Evitando ser flagrado, Ivo acompanhou todo o banho, como se assiste a um filme ou a um jogo de futebol.
Carlos, sem voltar uma vez sequer a atenção para o quarto, banhava-se em todas as possibilidades. Acariciava seu próprio corpo, o prazer simples da água correndo para baixo e a mão correndo em todas as direções. Não se poupava de deslizar os dedos pelas axilas, por sobre o torso; incontáveis vezes esfregava o saco e puxava o pau com a pegada escorregadia. De costas, entrava com a mão entre os redondos glúteos morenos e jogava a cabeça para trás: a água descia do rosto aos calcanhares, tomando todos os caminhos na pele de Carlos.
Ivo, duro sob o short largo emprestado por seu opressor, começara a entender o seu cárcere.
Carlos saiu do banheiro, enxugou-se e vestiu-se no quarto, a menos de um metro de Ivo. Apagou as luzes, deitou-se na única cama que havia. E dormiu.

***

Na segunda noite, Ivo laçou o pescoço de Carlos com a corrente enquanto este dormia, na tentativa de estrangulá-lo. Acordado com o susto, Carlos nocauteou seu refém com uma cotovelada no fígado. Levantou-se da cama, acendeu as luzes e voltou para a cama. Antes de colocar a cabeça sobre o travesseiro, disparou um soco certeiro no rosto de Ivo. Deitou-se, ainda resfolegando.
No dia seguinte acordou mais cedo, preparou o café da manhã e voltou ao quarto com um saco de gelo e uma toalha de mão.
“Deixa eu ver seu olho.”
Ivo mostrou o estrago. Carlos sentou ao seu lado e fez o movimento para colocar o gelo sobre o hematoma, mas Ivo tirou o rosto e tomou-lhe compressa e toalha das mãos.
“Deixa que eu sei me virar.”
Carlos não insistiu. Já ia saindo do quarto quando perguntou:
“Você iria me matar? Se eu não tivesse me livrado da corrente, você iria até o fim? Até que eu estivesse morto?”
Foi uma pergunta retórica, embora Ivo tenha sentido que poderia tê-la respondido, dizendo que não, que não o mataria.
“Vamos, o café está na mesa.”

***

No quarto dia, Carlos lia na sala de estar. Passava a maior parte do tempo assim, quando não estava preparando as refeições ou limpando a casa. Ivo sentou-se no outro sofá, o menor. Carlos baixou o livro para ouvi-lo.
“Posso pegar um livro para ler?”
Carlos levantou-se e foi até a estante da sala.
“Pode pegar qualquer um aqui. Mas eu gosto que fiquem nessa ordem. Então, para não bagunçar, quando você tirar um livro, você deita, assim, o que está logo antes dele. Para depois você saber exatamente onde ele estava. Entendeu?”
Ivo entendeu e gastou quase vinte minutos para escolher um livro. Não gostava muito de ler. Uma coletânea de contos: Asimov. Deitou-se no sofá menor e logo trocou de posição, pois tinha de manter a mão esquerda voltada para o centro da sala, para que a corrente não ficasse sobre seu corpo.
Entre as páginas, desviava o olhar para Carlos, o corpo espalhado no outro sofá. Estava relaxado e concentrado.
Leu oito livros enquanto esteve no cativeiro. Só o primeiro fora escolhido por ele.

***

No sétimo dia, após o almoço — macarrão com linguiça — Ivo ofereceu-se para arrumar a cozinha.
“Você faria essa gentileza pra mim?”
Ivo respondeu que não havia problema. Ouviu as explicações de Carlos, mas já sabia onde estava cada coisa e onde deveria guardar tudo.
“Hoje eu vou ter que sair. Volto antes do anoitecer. Esteja aqui, ouviu bem?”
Ivo pensou em fugir, estudou alguns meios. Mas a ideia de ir passou. Carlos saiu e voltou no espaço de três horas. Chegou carregado de sacolas, havia feito compras.
“Obrigado. Pela cozinha. Depois do jantar eu vou dar uma volta pela estrada. Você quer vir comigo?”
Depois do jantar, Carlos moveu a algema da corrente para o próprio braço e saíram, presos um ao outro. Agora Ivo havia entendido o que era “o meio do nada”. Mesmo em noite clara, não se podia ver o lugar em que estavam. A estrada a que Carlos se referira era apenas um caminho barrento. Não havia luz senão a da lua. Caminharam em silêncio por quase meia hora, até o início da chuva. Carlos sugeriu que tirassem os chinelos para voltar.
Em casa, Carlos só abriu as algemas quando estavam os dois dentro do banheiro.
“Me dá sua roupa. Pode entrar no banho, se quiser. Já volto.”
Ivo entregou-lhe as roupas molhadas e entrou no banho. Em alguns segundos, Carlos reapareceu, nu, e ficou ao seu lado, próximo ao chuveiro.
“Deixa eu me molhar enquanto você se ensaboa.”
Trocaram de lugar. Carlos poderia ter feito algum comentário sobre a excitação de Ivo, que ficava sempre de costas para esconder sua ereção, mas fingiu não ter notado. Acabaram o banho, alternando-se sob a água. Ivo voltou para a corrente.

***

“Porque você está fazendo isso?”
Era o décimo dia, bem à noite, a luz do quarto já estava apagada.
“Eu quero que você goste de mim.”
Ivo não soube o que responder. Deveria ter perguntado olhando para Carlos, à luz, para poder ouvir a resposta olhando nos olhos.
“Eu não desgosto de você. Aquele dia, de noite, eu estava assustado, eu não iria matar você. Eu nunca faria isso!”
Carlos levantou-se da cama e acendeu a luz. Sentou-se na poltrona vermelha, encarando Ivo.
“Isso não basta. Não desgostar não é gostar. Gostar, conforme minha esperança, é quando você deseja a presença, deseja a conversa, deseja o corpo. É isso que eu estou tentando aqui: fazer com que você goste de mim.”
As palavras de Carlos, a entonação sobretudo, diziam de uma vontade de ser querido que nada tinha a ver com sua carência. Tinha força de propósito. Essa constatação rendeu um alívio a Ivo. Sabia dos maus lençóis em que estaria se a demanda de Carlos fosse vinda de uma lacuna.
“Para as pessoas gostarem de conversar com você, de desfrutarem da sua companhia, você tem que ser mais aberto. Você fala muito pouco para quem quer ser simpático, sabia?”
Ivo riu da própria observação. Aliás, fez a observação pensando em rir, em rir para Carlos. Esse foi o primeiro dia em que riram; pois Carlos também riu do conselho que lhe fora dado.
De novo às escuras, os dois mantinham os pensamentos acelerados pelo que acabara de acontecer.
“Eu estou me esforçando para ser simpático, para conquistar sua atenção. É que eu acho a conversa sempre mais difícil, então optei por lhe despertar outro desejo. O do corpo. Fazer você querer meu corpo, desejar meu corpo. Você deseja meu corpo, Ivo?”
Ainda que lhe fosse exigida a resposta, Ivo não responderia a essa pergunta. Mas sentiu que sua recusa em dizer o que quer que fosse não era muito valiosa, já que sua resposta não era aguardada pelo outro.
“Eu fiquei pensando que, amanhã, depois do café da manhã, eu poderia soltá-lo da corrente. E nós poderíamos transar. O que você acha?”

***

No dia seguinte, logo após o último gole no suco de laranja, Carlos retomou a proposta.
“Quer ir para a cama comigo?”
Ivo fez que não. Carlos meneou a cabeça, como se dissesse que havia concordado. No entanto, saiu de seu lugar e foi agachar-se ao lado da cadeira em que Ivo estava sentado. Posou a mão levemente, sem pegada, sobre o pau duro de Ivo.
“Eu tenho certeza de que você nunca transou com outro homem, Ivo. Se eu tivesse dúvidas sobre essa circunstância, você não estaria aqui. Temos ainda dezenove dias juntos, nos quais eu farei todos os movimentos ao meu alcance para ser merecedor de sua afeição. No entanto, seria tolo se eu negasse que um enorme primeiro passo já foi dado nessa direção. Eu posso senti-lo aqui, no seu pau.”
Nesse momento, Carlos segurou-o com firmeza.
“Vem comigo, Ivo. Olha: eu também estou cheio de tesão!”
Ficou de pé e segurou com a mão cheia o volume dentro do próprio short. O efeito foi negativo, pois Ivo apenas levou as mãos ao rosto e escondeu-se.
Carlos pensou que deveria desenvolver melhor a habilidade do diálogo.

***

Na noite do mesmo dia em que disse não, ainda que desejasse, Ivo esperou que Carlos saísse do banho para que pedisse, só com os olhos, que a proposta fosse refeita.
“Você quer, não quer?”
Carlos apressou-se em tirar a algema do pulso de Ivo. A brancura da sua pele já estava irritada pelo atrito do metal.
“Desculpa.”
Voltou a guardar a chave no pote de porcelana. Ivo esticou-se na cama, deitado, esperando. Carlos jogou o corpo moreno, ainda pelado e cheiroso do banho, ao lado de sua vítima. Quando tocou o peito de Ivo, este fechou os olhos. Queria sentir.
Carlos fez-lhe pequenos carinhos, e Ivo pensava que aquela mão grande ainda não o havia tocado. Sem contar o soco. E a mão de seu opressor estava longe de completar seus movimentos, quando sentiu a úmida boca de Carlos engolindo-o. Vislumbrou os próximos dias. Quantas vezes seria chupado assim antes que fosse embora?
“Quer me comer?”
O prazer foi interrompido pela proposta de Carlos.
“Vem. Fica aqui, em pé.”
Enquanto ajeitava o preservativo em Ivo, explicava.
“Nunca dispense a segurança. O discurso é chato, mas é sério. Já que eu estou ensinando, devo fazer o serviço completo. O lubrificante não é obrigatório, mas é de bom tom quando se está metendo, e de bom senso quando se está sendo metido. Quer pôr na mão?”
Carlos colocou um pouco do lubrificante nas mãos de Ivo e virou-se de costas, debruçado sobre a cama, e pediu que o outro lhe passasse o óleo perfumado.
“Você gosta mesmo disso, não é?”
Enquanto lhe untava o ânus, Ivo olhava para o rosto de Carlos, que estava solto como nunca estivera, era outro, outro homem.
“E quem não gosta? Agora, vai. Me come. Devagar. Você tem que ir devagar, porque dói um pouco na hora de entrar, mesmo com o lubrificante.”
Ivo sentia o sangue pulsando no seu pau e no seu rosto. Tudo quente.
“Isso, devagar, isso. Devagar.”
Um gemido longo, arranhado. Os músculos das costas todos contraídos e, depois, relaxados. Ivo não sabia se lhe agarrava as carnes da bunda ou a fina cintura. Em pouco tempo, estava alucinado, feroz, metendo com toda a força que podia, tentando enfiar seu pau no mais profundo que alcançava. Carlos não reclamou da brutalidade, tentava ser compreensivo com a explosão de Ivo.
“Espera, tira um pouco.”
Trocou de posição, deitado, para que ficassem de frente um para o outro. Parte do espetáculo era poder olhar o prazer no rosto de seu prisioneiro.
“Vem.”
Ivo avançou. Metendo, suando. O ritmo era o mais acelerado que seu coração permitia, sentia os músculos fraquejando com seu movimento insistente, até que veio aquela sensação, que é tão boa quanto o gozo: o anúncio. Em seguida, gemeu, tremeu, gemeu, soltou-se sobre o corpo grande e molhado de Carlos, ainda cheiroso, que também gemia, e sorria.

***

O restante dos dias no cativeiro estão relatados, um a um, no diário de Carlos.
Ivo, no entanto, recontou em alta voz, para ouvintes distintos, em épocas diferentes de sua vida, como veio a se apaixonar pelo homem que o sequestrara na juventude. Para saciar a lascívia dos mais curiosos, contava os detalhes do corpo de Carlos, as coxas duras, a bunda redonda sendo mordida, coberta de hematomas ao final do mês. O peito grande, os braços grandes, as mãos. Revivia a sensação de ser penetrado em todos os ângulos, a dor virando delícia. E os beijos e as línguas: na cama, na cozinha, no chuveiro, nos livros, do lado de fora. Explicava a Síndrome de Estocolmo, muito mais detalhadamente do que Carlos havia feito, com ricos casos exemplificativos.
Não voltaram a ser ver depois do dia 23 de abril daquele ano.
Ivo não mantinha um diário. Mas se escrevesse, não seria sobre os dias no ardiloso cárcere de luxúria tão bem arquitetado por outro homem.
Escreveria sobre a liberdade.





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Um comentário:

  1. ufa...
    ( é assim que se suspira
    depois de longo tempo de ar
    inconscientemente preso?)
    Enebriante, Ulisses!
    Pura lascívia no corpo do texto
    para ao final, na última frase,
    atingir o inesperado êxtase
    da filosofia profunda!

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