BABEL

arquivo em pdf


BABEL


Entre os milhares de desesperados — em fugas, missões e vontades — que buscam Paris durante a primavera (a da vida!), estão Juan e Catalin. 

Juan aqui está para desencravar-se do trabalho, do cansaço do trabalho, do futuro do trabalho. Nascido em Concepción, Paraguay, tem 26 anos, há quatro vive e trabalha em Asunción, a capital. Seu tempo por aqui é sempre curto, contudo insiste em cruzar o oceano para o refrigério que lhe garante um pouco de sanidade.

Catalin sempre quis conhecer a França e, por essa ideia sem fundamento, fez árduo esforço para custear uma semana longe de Tatabánya. Completou 22 anos no último verão e agora caminha às margens do Seine, pensando na Hungria, nas coisas húngaras, em como o mundo se parece com ele, húngaro.

Naquele dia, Paris atapetava-se com milhares de folhas secas, e Juan e Catalin se encantaram com o cenário, e fecharam os olhos para enxergarem seu deleite, e, ao retornarem para o outono parisiense, viram-se.

Os três dias que viveram (viveram!) juntos foram mediados por beijos, afagos, sorrisos e gemidos. Os dedos apontavam, maravilhados; os olhares se prendiam na mesma sintonia. As palavras estavam lá, mas não havia como cruzar uma fronteira tão larga em tão pouco tempo, e, se tentassem, suspeitaram, seriam pegos pelo fracasso.

Ao se despedirem (não!), Catalin segurou Juan pelas mãos e derramou sobre o paraguaio um apaixonado discurso húngaro. Juan não sabia das palavras, mas dizia a mesma coisa dentro de si. Os lábios se tocaram levemente, pois a força estava no abraço, e já era hora de se separarem. Juan guardou suas palavras para o final. Breves foram, como ele o era.

Algumas semana depois, no inverno de Tatabánya, Catalin pensava consigo nas palavras que ouvira de Juan. Não sabia nenhuma outra língua que não a sua, todavia não tinha dúvidas sobre a declaração de amor: “Eu amo você”, o outro lhe dissera.

Eu já conheci mais línguas e cidades do que meu vazio me permite e sei que os mudos, os estranhos e os forasteiros sabem se comunicar com eloquência. O significado está nos olhos, nos ombros, na garganta, no peso. Catalin entendera perfeitamente o sentimento de Juan, que não tentara se traduzir, mas se fizera entender.

Os olhos desesperados — culpa da separação — diziam para os corações: o amor.

No entanto, eu estou atento — bem agora — à conversa desses dois afortunados que se querem com tamanha esperança. O aeroporto se movimenta ao redor dos amantes sem lhes dar atenção. Outras línguas falam sobre outras coisas. Eu, que falo todas, não sei se me levanto e digo a Juan que as tantas palavras de Catalin podem ser as mais arrebatadoras que já ouvi em minha vida. Agora mesmo, tenho vontade de transformar espanhol e húngaro em poesia, e revelar os desejos mais íntimos de homens que não conheço. Penso em dizer a Catalin que Juan, em suas poucas palavras, lhe dissera algo além (ou aquém...) do amor.

Antes de soltar-lhe a mão, travou-se em seus olhos, molhou os lábios, contraiu involuntariamente o rosto. Em seguida, afrouxou o corpo todo, para dizer:

Preciso de você.”





----------


----------

Nenhum comentário:

Postar um comentário