TORCEDOR




TORCEDOR



Durante a faculdade eu conheci o homem que viria a ser um dos meus grandes amigos: Giovani. Junto com ele, conheci sua família. Mas, antes disso, eu já sabia tudo sobre seus pais, irmãos, namorada, tios, vizinhos. Passeis cinco anos ouvindo-o narrar histórias, chorar problemas, pirraçar com os conflitos...

Aos poucos, quando ia conhecendo os personagens reais daquelas histórias, tinha mesmo que reconhecer o poder de Giovani de analisar as pessoas. Eu já sabia como se comportava cada um deles. Seu pai era mesmo um pianista de década de 70, preso na vida de um médico dos anos 90. Sua mãe ficava mesmo feliz, “como se a vida valesse a pena”, quando elogiavam sua casa. Ellen, sua namorada, era mesmo a serenidade que todos procuramos em um grande amor. O vizinho, Sr. Ernesto, tinha mesmo o olhar sedutor e um traquejo para os diálogos cruéis.

A única agradável surpresa que tive foi com relação a seu irmão caçula, Luca. Concordei com Giovani em quase tudo sobre ele: protegido ele era, disperso ele era, voluntarioso ele era. Porém, na tarde em que eu fiquei vendo filmes e jogando videogame com o Luca, que, à época, tinha 14 anos, vi outro rapaz. Giovani me havia advertido que seria impossível assistir o filme com o Luca, pois ele falava o tempo inteiro, e eu era muito chato com isso (aliás, eu descobri, depois, que nas histórias do Giovani eu era o “cidadão politicamente correto”).

Naquela tarde, Luca e eu vimos um filme sobre um casal improvável: de um lado, egoísmo, arrogância e medo; de outro, vontade e ternura. E foi dando certo, ainda que todos desacreditassem. E foi dando mais certo, ficando bonito, ficando como sonho bom. Mas como todo filme precisa de um nó, as coisas começaram a desandar. E quando o primeiro sinal de desencontro apareceu, Luca levantou-se da poltrona e gritou para o homem na tela: “não, não, não! Você vai estragar tudo desse jeito! Foi tão difícil chegar até aqui! Por favor... por favor, não faça isso... Você vai estragar tudo, cara... Filho da puta! Não acredito que você está fazendo isso! Isso é inacreditável! Estúpido!”.

Então ele olhou para mim, buscando concordância, e eu concordei, fazendo que sim com a cabeça.

— Eu não quero mais ver esse filme! Eu volto depois que acabar, ok?
— Ok. — disse eu — Sem problema.

Depois, quando subi ao seu quarto, ele estava jogando Nascar no videogame, dirigindo com toda violência possível. Quando me viu, parou o jogo.

— Desculpa não ter terminado o filme. É que eu não gosto quando as pessoas perdem a chance de ser feliz. Ainda mais assim, de tanta estupidez.

Aquele dia eu pensei: “É esse o homem que eu quero para mim”.








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