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VENTO
O final do inverno no interior de Minas Gerais era um deserto: clima seco, pouca gente. Ao menos assim era em 1920, época em que os trens eram os portadores de pessoas e cargas.
No dia de Domingo, apenas uma composição de passageiros chegava ao vale e quase sempre alcançava a estação antes do início da noite para desembarcar os viajantes que vinham do litoral. Depois, era só o tempo de a locomotiva passar pelo girador e de embarcar os que fariam o itinerário inverso.
Naquela ocasião, apenas seis passageiros aguardavam o apito da “Maria-fumaça” na isolada estação de Fortes: uma família de pai, mãe e filho; um estudante de direito; uma jovem elegantemente vestida; e Tales. Além destes, apenas o funcionário da companhia ferroviária, um senhor que acumulava todas as funções demandadas pelo serviço na estação.
O trem não era pontual, mas não era de se adiantar ou se atrasar muito. Por isso a demora começou a incomodar os que o aguardavam. Veio a noite e não veio o trem. Veio também o frio, que, no final de tarde no vale, tomava movimento. À medida que o céu escurecia, a natureza se segurava para não ceder à força do vento que aumentava indiscretamente. O que estava solto, solto voava. O estudante de direito segurou seu chapéu bem a tempo para que não fosse levado num golpe de ar. Não teve a mesma sorte o pai da família, que deixou o periódico escapar de suas mãos e ser arrastado pelos trilhos.
Abrindo malas e valises, começaram a brotar casacos e mantos contra o frio. A primeira a sacar sua echarpe foi a distinta jovem; depois dela, todos seguiram sua sugestão e em alguns minutos já se abrigavam do vento.
Tales, não.
Tales gostava do vento. Tales gostava de homens e acreditava que o vento era o mais masculino dos fenômenos da natureza. Dia após dia, tentava sempre senti-lo, o múltiplo homem que estava em toda parte: no movimento do trem, na brisa do mar, antes do temporal, carregado de poeira, encharcado pela chuva, empurrado pelos abanadores, construindo dunas, destruindo telhados, trazendo vida, batendo portas e janelas, matando. Amava todos esses homens de espírito livre, sem forma.
Enquanto esse homem invadia a plataforma da estação, forçando todos a se proteger, Tales adiantou-se em guardar seu chapéu na mala. Em seguida, desabotoou e despiu sua camisa, dobrou-a e acomodou-a entre seus pertences. De peito nu, abriu seus braços para que sentisse o vento, o frio vento que vinha do sul. Parecia um mago a controlar o tempo, pois ao estender os braços o ar se revolveu ao redor da estação, levantando folhas e aromas.
Os outros, assustados, fascinados, foram logo convencidos do prazer a que Tales se permitia. A primeira a segui-lo foi a jovem, que devolveu a echarpe ao seu lugar e, delicadamente, descalçou-se, pisando o gelado do chão. O estudante de odontologia deixou seu chapéu ser tragado pelo redemoinho, tirou o suéter e a gravata, abrindo alguns botões da camisa de algodão. A mãe recolheu os agasalhos do marido e do filho, juntou-os ao seu, e os três se deslocaram para um lugar onde o vento os pudesse alcançar plenamente. Por último, no entanto com vívida ousadia, o funcionário da estação arrancou todo seu uniforme, do quepe às meias, entregando-se apenas em suas ceroulas.
“Venta, Vento! Acolhe aqueles que se colocam para você! Invada-os, já que se abrem!”
O momento foi breve, pois logo os trilhos começaram a vibrar. O trem parou na estação trazendo uma última rajada de ar. Os passageiros que desembarcavam tinham a mesma expressão atônita do maquinista e do cobrador; encaravam com suspeição a postura e os semblantes deleitosos de Tales e seus seguidores.
Muito lentamente, os seis passageiros e o funcionário da companhia se vestiram novamente e carregaram o trem com sua bagagem e sua leveza. O trem partiu para o litoral.
Seduzidos pelo homem que não é homem, todos levariam aquele dia na memória, não só na da mente, mas na da pele.
“Venta, Vento! Seus amantes sobram em todos os lugares!”
“Invista-se de ímpeto, de gentileza, de direções!”
“Venta sobre nós, pois é o único que pode nos satisfazer!”
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