TEMPO

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TEMPO


Não tomarei seu tempo. A história de Francisco pode ser resumida.

No lugar em que Francisco nasceu, balé era coisa de mulher, e futebol era coisa de homem, e menino que gostava de dançar era veado, e ser veado era vergonhoso.

Quando criança, Francisco queria ser bailarino, mas não pôde levar a vontade adiante. Os pais não aceitariam um filho veado, ou aceitariam? Francisco nunca saberia, pois não contou aos pais sobre seu desejo por pliés. Aliás, falar sobre desejos era outra coisa proibida na terra de Francisco.

Deveria ter dito que amava o balé. Se o chamassem de veado, justamente o fariam, porque Francisco era veado. No entanto Francisco cedo percebeu que, por lá, ser chamado de veado era mais grave do que ser um.

Francisco desistiu de ser bailarino, mas não de ser veado, e partiu de sua cidade natal aos 28 anos. Francisco virou garçom e dançava apenas em bailes de carnaval. Teve tendinite no braço direito, febre reumática e operou os quadris. Aos 58 anos, leu uma notícia no jornal sobre a Companhia de Dança Sara Lúcia Rios, que formava bailarinos na terceira idade. Mudou-se para o Rio de Janeiro e inscreveu-se nas aulas para iniciantes. Levava jeito para o balé, talvez por ser veado. Alma que dança. No final daquele mesmo ano, Francisco, junto com colegas da turma da terceira idade, participou do recital da companhia. Um espetáculo! Desde então, depois do palco, do figurino, das luzes e da dança, sobretudo da dança, Francisco é bailarino.

Conto-lhe essa história para relembrar um ditado que aparece em todas as culturas, mas que funciona melhor acompanhado de um exemplo factual. É uma mentira, como muitos provérbios, mas pode inspirá-lo, como Francisco a mim o fez.

“Nunca é tarde demais”, diz a sabedoria.





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