CARTA AO AMANTE

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CARTA AO AMANTE 


Deco, 


Essa carta é uma tentativa empenhada de ter você de volta pra mim. Eu queria dizer tudo isso pessoalmente, mas você sabe melhor do que ninguém que eu não teria forças para organizar essas palavras e sustentar qualquer argumento olhando nos seus olhos. Por isso já peço desculpas antecipadas por essa covardia, mais por polidez do que por arrependimento, pois estou seguro de que esse é o melhor que agora posso fazer. Ressinto-me ainda de não tê-lo feito há mais tempo, de ter perdido o momento de responder: “Não me deixe, porque eu vou morrer sem você por perto.”

Há dias penso na melhor maneira de colocar as palavras no papel, pois tenho medo de parecer desesperado, o que não lhe diria bem o quanto confio em nosso amor, e igual medo de parecer equilibrado, o que esconderia o quanto me sinto aleijado por sua ausência. Não quero também que você leia essa carta como uma análise do nosso relacionamento, ainda que eu tenha me valido de olhar para trás algumas vezes. Tampouco escrevo aqui uma declaração de amor, porque isso diminuiria as milhares que já lhe fiz, estas sim com meus olhos firmados nos seus, pois para o amor não tenho vacilos. Quero, e peço que você ceda a essa minha vontade, que você continue a ler e entenda a razão de cada palavra aqui escrita: eu quero continuar a viver com você ao meu lado.

O vô Carlos sempre diz que quando dois amantes brigam o problema é pequeno; é só fazer as pazes e desfazer o mal-entendido. A tristeza é quando não há mal-entendido, quando a separação é fruto do entendimento. Para os que se veem nessa situação, o fim é real.

Naquele domingo, antes de dormir, fui assombrado por essa ponderação do vô Carlos, com medo de ser verdade, de que ter terminado nosso namoro tão civilizadamente, de tão comum acordo, poderia me separar de você para sempre. Quis voltar em casa e brigar, e bater em você, e ferir a nós dois, só para deixar uma ferida aberta, pedindo um reencontro a fim de ser sarada. E ainda que um abraço cordial tenha selado nossa despedida, ouso ter esperança de que nossa história juntos, como amantes, está longe do fim. Porque o entendimento a que chegamos foi falso. É falso. Toda a serenidade das soluções para nossos desencontros, todos os caminhos que pareceram razoáveis e sensatos naquela noite agora me parecem bobos, infantis, medrosos. Eu menti sobre o que eu sentia, eu não soube explicar o que eu queria, eu falhei no falar e no ouvir. Eu estou insatisfeito com as conclusões a que chegamos.

Para ser sincero, esses quase dois meses sem você têm sido o maior atestado de minha estupidez. Eu fui pego desprevenido por essa dependência de você, que eu acreditava ser coisa de paixão ordinária. Mas essa dependência é muito mais intensa, é vinda da amizade, do companheirismo. Eu achei que a tônica racional com que eu e você conduzimos nosso relacionamento, desde quando éramos só amigos, iria me livrar de sentimentos tão primários e pirracentos como esse, que é o de querer a qualquer custo, querer sem ter que explicar. No entanto, agora vejo que fomos apaixonados ao extremo, loucos de amor, insanos em cada atitude. Violentamos princípios e desafiamos nossa coragem para viver nossa história.

Quando contamos aos amigos que estávamos juntos, fomos relembrados dos empecilhos que nós mesmos tínhamos previamente traçado, em um namoro que começou com uma lista de prós e contras. Temíamos que nossa arrogância, egos inflados, fossem nos minar, que sucumbiríamos a nosso espírito competitivo. Bobagem! Quase ridículo! Desafio qualquer um a apontar um casal com maior senso de cooperação, que mais tenha se esforçado para a realização do outro, que mais tenha contado os pontos juntos. Sempre nos esforçamos para compreender e abraçar os sonhos um do outro, não só em palavras, mas em ação, em madrugadas de trabalho, em esforços contra o tempo e a saúde. Fomos um, um só, o tempo todo, Deco. Talvez nosso próprio alerta contra a vaidade tenha sido a arma que nos fez vencer as vilanias de viver a dois.

Em nossa viagem a São Lourenço, você me convenceu, em um discurso premeditado e poético, que príncipes encantados existem, que nosso encontro era a prova cabal de sua teoria e que o homem com quem você sonhava não era, nem de longe, tão perfeito quanto eu. Eu era melhor. E eu disse a você que, todos os dias, eu ficava feliz em acordar e ver o quão bonito você era (e você achou que beleza era pouco), e eu logo disse que você reunia as qualidades que o meu príncipe deveria ter.

Hoje, mais do que naquele dia, Deco, eu acho você inteligente, corajoso e, sobretudo, razão da minha maior admiração, vejo o homem generoso que você é. E não me conformo em ter dividido minha vida com um homem tão raro, tão bom, e tê-lo deixado escapar da minha rotina, do meu dia-a-dia, da minha cama. A minha saudade é quase prática, porque sem você tenho perdido a capacidade de ansiar o futuro. Eu quero de volta a chance de desejar uma vida feliz como nós fazíamos quando estávamos juntos. Eu estou oco de possibilidades de grandeza. O pior é que tenho certeza de que posso reinventar meus sonhos, sozinho, ou com outro, e que você pode fazer o mesmo. Fico arrepiado de pensar que você também tenha sentido o desejo de novas experiências e a chance de aventuras ocultas. Não quero ir nessa direção. Nem quero que você vá. Quero retomar os sonhos que cultivamos juntos, quero tentar de novo, quero pensar coisas que só nos dois somos capazes de pensar juntos. Juntos, Deco. Juntos. Eu e você.

“Se você for, eu morro!” 

Uma parte de mim, talvez a melhor, só existe e vive se você for meu homem. Eu preciso dessa parte, eu quero esse pedaço bom. Eu sonho que você também me deseje assim.

Já não sei mais o que escrever, senão repetir que quero isso, quero aquilo, quero você. Meus planos retóricos já se perderam. Minha vontade agora é me espremer dentro de um envelope e me enviar para você, para não correr o risco de não ser visto, não ser ouvido, não ser atendido.

Me diz o que eu preciso fazer e eu faço. Faço o que já deveria ter feito, o que nunca tinha pensado em fazer. Faço para provar que estou certo em querê-lo, de que amo ainda mais. Faço só para que você tenha a certeza de que eu faria qualquer coisa. Paro tudo, mudo de cidade, ouço mais segredos, faço votos, fico louco. Posso rememorar cada palavra que construiu nosso amor, nossa confiança, nossa parceria. Posso cantar as músicas que você gosta, todas, quantas vezes você quiser ouvir.

Esteja claro que não há força que seja obstrução para o convite que lhe faço.

Quero viver com você ao meu lado.

Quero voltar para casa. 


Com amor, 




Felipe





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Um comentário:

  1. Mais uma vez (como em Dom) "vi" Carta ao Amante...
    E essa carta dá um curta!
    É um texto tão envolvente que fiquei torcendo: se eu fosse o Deco eu voltava pro Felipe!

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